Ressentimentos

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Qua, 01/03/2006 - 10:41


Muitas obras de diversos matizes e alcances foram concebidas com base no ressentimento. Por dá cá aquela palha, por uma graça sem graça nenhuma para o visado, por um comentário mais ou menos certeiro, por uma desconsideração ou suposta desfeita, por tudo e, por nada, ou quase, os homens rilham ressentimentos, não deixando de os exibir à mínima oportunidade ou desafio.

As campanhas eleitorais são por excelência um tempo magnifico para a revelação dos ressentidos. E esta, a das presidenciais, não fugiu à regra. Aqui, ali, por acolá, surgidos da sombra ou da obscuridade, antigos e actuais actores políticos, vieram manifestar apoios espúrios a candidatos diferentes da sua família ideológica debaixo do manto da independência, dos bons sentimentos, afinidades de parceria e afirmação de prezarem intensamente a liberdade de agirem conforme lhes dá na real gana. Nada de mais, dirão os versados na cultura política desde o tempo de Sólon ou Péricles, o homem não consegue guardar o ressentimento, qual boneca de luxo despeitada por ter sido suplantada por outra boneca mais luxuosa ainda. Os dependentes do ressentimento protagonizam figuras ridículas ao correrem a oferecer o voto e o que mais houver, sempre na esperança ou mira de a comunicação social dar o devido destaque à interesseira oferta. Alcançado o minuto de glória na televisão, os dois minutos na rádio e as três linhas nos jornais, os ressentidos apresentam-se impantes nos locais de frequência costumeira, cientes de terem praticado uma boa acção, um acto de grande “coragem”, um exemplo de forcejo denodado contra a corrente. Os ressentidos andam alegres e contentinhos durante uns dias, o pior surge após a contagem dos votos. Os vencedores não lhe agradecem o esforço, não o deixam ficar na fotografia e os vencidos não costumam tirar fotos, a não ser na condição de prisioneiros. Os remoques surgem logo de seguida, por seu turno o partido que lhes concedeu projecção e os levou a receberem as luzes da ribalta não perdoa, restando aos ressentidos recordarem as palavras de Santa Teresa:” São derramadas mais lágrimas pelas súplicas atendidas do que pelas que não o são”. Aqueles sorrisos de fingida atenção concedidos pelo candidato ou seu cortesão no momento da entrega do envelope da súbita devoção deram-lhe a tão almejada “glória” feérica e orgástica em termos de pulsão recompensada, mas pouco durou, a partir daí os ressentidos passam à condição de militantes não fiáveis, quando não indesejáveis. Porque nestas coisas dar um exemplo fica bem a quem escreve e não deixa margem para dúvidas, aponto como exemplo acabado de ressentimento o Dr. Fernando Amaral, advogado lamecense. O Dr. Fernando Amaral esteve muitos anos no Parlamento em representação do povo da sua região, eleito pelo PSD. Ocupou lugares de alta representação designado pelo seu partido, tendo sido Presidente da Assembleia da República. No exercício dessas funções protagonizou um incidente sustentado numa visita a uma república do Báltico. O PSD explorou o assunto, o resto é conhecido, passado pouco tempo a “nave dos loucos”, entenda-se PRD, agarrou o isco e avançou a moção de censura que desencadeou a monção terrífica para os renovadores dos quais eu fazia parte. Encontrava-me no Brasil a acompanhar o Dr. Mário Soares e, quando soube da “extraordinária” decisão, logo intui o desenlace porque conhecia bem a situação interna do partido da balança. Pois bem, o Professor Cavaco Silva num seu livro comenta o episódio do Báltico e, deixa entender a pouca argúcia política ou nenhuma do provincianeiro Fernando Amaral. O termo provincianeiro é meu, no entanto, assim interpreto o comentário de Cavaco Silva. O resto é conhecido – o Dr. Fernando Amaral – homem afável, muitas vezes vergastado pelo jornal “O Diabo” por causa do seu chefe de gabinete, esperou uma oportunidade a fim de evidenciar a sua mágoa, melindre ou zanga pelas palavras de Cavaco Silva. Em vez de protestar de outra maneira, em vez de as contestar publicamente ou em privado, preferiu aceitar ser mandatário do Dr. Mário Soares. Agora, vai voltar ao remanso do lar, às conversas de café e aos salamaleques habituais. Ao barbear-se, o espelho é bem capaz de lhe perguntar: valeu a pena?
Armando Fernandes
PS. Claro, claro o senhor dos galões também está ressentido. Coisas!