Posta + Porco = Nordeste

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Ter, 06/12/2005 - 17:02


A revista DIAD na edição de 14 de Novembro colocava no quadro de honra a posta mirandesa e, dizia:” É um monumento ao que há de melhor na cozinha portuguesa”.

Fiquei muito feliz por esta marca patrimonial das terras de Miranda, ter sem a ajuda de ninguém em especial e muito menos de quem devia em particular – conseguir guindar-se à categoria de representação cultural gastronómica de matriz nacional. Com efeito, a designação “posta mirandesa” aparece em cardápios de restaurantes, casas de comeres, tascas, tabernas e locandas do Minho ao Algarve, sem esquecer as Regiões Autónomas. Não me interessa neste momento teorizar sobre a afeição do homem pela carne, muito menos sobre os inimigos do consumo de porco e vitela de leite porque: “demoravam cinco horas a digerirem-se” como afirmava convictamente Sallie Rorer carismática professora da Escola de Cozinha de Filadélfia nos finais do século XIX, prefiro, sublinhar a importância do reconhecimento global – a nível do País – por tão portentosa e, não tão simples assim, especialidade culinária do Nordeste. Uma das mais famosas figuras da ciência alimentar, o barão Justus von Liebig exaltava as qualidades da carne, porque ela “continha os ingredientes nutritivos das plantas, armazenados em forma concentrada”. O barão estava na linha de Brillat-Savarin e, participava num “jogo” renhido entre os defensores e os inimigos do consumo de carne. A posta é um invento de muitos milhares de anos, mas no referente à oriunda da terra dos Pauliteiros e não só, importa e deve ser transformada numa permanente e prodigiosa embaixadora portuguesa nos cinco continentes, como é o caso dos presuntos de Jabugo ou de Vestefália, as trufas ou o caviar Beluga, E, acreditem os leitores, não é difícil, basta existir vontade, engenho, 5% de imaginação e 95% de transpiração. Não acreditam? Acreditem! Acreditem! O porco é outro produto de eleição das terras nordestinas. Sendo o melhor amigo do homem – come-se da ponta da cabeça, à ponta do rabo – tendo inimigos tenazes como o famoso filósofo e médico Moisés Maimónides, o reco é um animal objecto de estudo, elogio e veneração por homens do quilate de Ateneo, Paladio, Apicius, Juvenal, Marcial e tantos outros cultos da Roma civilizada. No século I, Plínio o Velho na obra Naturalis História, em relação ao cevado afirma:” De nenhum outro animal se tira melhor matéria para a glutonaria”. Sendo tão fácil recolher-se proveito do berrão, os poderes turísticos conferem-lhe exaltação através de Feiras e Festivais. Nada mal. Assim acontece agora nas nossas terras, em tempo de pré-matança. No entanto, muito me admira o facto de os restaurantes nutrirem inclinação para apresentação de receitas sustentadas no farrôpo em idade adulta e dos seus derivados, com alguma dose de mimetismo e, convenhamos, sem lograrem, assim o penso, a possibilidade de alcandorarem tais receitas à posição da posta. No prospecto distribuído a publicitar o evento temos a confirmação disso mesmo, chegando três dedos para assinalar as receitas a fugirem do contexto habitual. Em tempos tentei remar contra a corrente deste conformismo, apontando outras perspectivas e “inspirações”, verifico, agora, quão baldados foram os meus esforços. Mas, porque a teimosia faz parte do meu código genético, atrevo-me a perguntar porque razões não são apresentadas as receitas do “leitão recheado à moda de Bragança” e do “leitão à transmontana”. São receitas famosas, existindo diferenças entre as duas, devendo-se ao estimável Carlos da Maia e à não tão misteriosa assim M.A.M., a sua fixação em receituários de alta qualidade. Em 1896, Charles Lamb publica a monumental obra “ Dissertation upon Roast Pig” onde explica como surgiu o leitão assado. Por cá, nessa altura, ainda a Bairrada não se tinha alcandorado a ser a capital do bacorinho, o que acontece agora, porque noutros lados se esquecem as receitas locais, como acima tipifico. Apesar de o “constipado” granjear riqueza, empregos e atractividade ímpar para as terras bairradinas, outras localidades não baixam os braços em sinal de vencidas, continuando a lutar, a defender e exaltar das suas receitas, como é o caso evidente do: “leitão dos Negrais” ou “leitão à Ferreirense”. E, pelo Nordeste, como é? Respondam os detentores do poder, peço eu. O êxito da posta deve-nos alegrar, obrigando-nos a trabalhar de modo a aumentar o seu prestigio e reconhecimento, o porco é muito mais que esse enchido secundário e de restos chamado butelo, na minha opinião o leitão merece cuidado, carinho e enaltecimento em termos culinários, tal como o berrão noutras representações da nona arte. Não acham?

P.S.: Lá no Paraíso, a Dona Gabriela de Sendim vai ficar contente quando ler esta crónica. Aposto!