Intermediária na fronteira

PUB.

Qua, 01/03/2006 - 10:44


Maria Garcia Fernandes, nascida e criada na aldeia de San Martin del Pedroso, a cerca de dois quilómetros da fronteira de Quintanilha, recorda com saudade os tempos em que prestava auxílio às pessoas que passavam a salto para o outro lado da fronteira.

Nos anos 60, milhares de portugueses foram obrigados a emigrar para conseguirem ganhar dinheiro para sobreviver. Em Portugal, os tempos eram de fome e miséria, pelo que as pessoas procuravam países mais ricos e desenvolvidos para trabalhar, como por exemplo Espanha e França.
Esta habitante de San Martin del Pedroso, com 82 anos, conta que os forasteiros que passavam pela aldeia apareciam, na maior parte das vezes, esfomeados e a tremer de frio.
Depois de percorrerem vários quilómetros a pé, entre mato e fragas, ainda tinham que atravessar o rio Maçãs, para passarem para o lado de lá da fronteira.
“Havia pessoas, oriundas de várias aldeias do concelho de Bragança, que chegavam aqui encharcadas até à cintura e mortas de fome. Então procurava dividir com elas o pouco que tinha”, realça a octogenária.

Caldo para aquecer
o estômago

Maria Garcia Fernandes, proprietária de uma mercearia na aldeia, ajudava os forasteiros que lhe apareciam na loja, recolhendo-os em sua casa, onde fazia uma grande de fogueira e lhes dava uma malga de caldo quente.
Quando já era noite e o frio gelava, esta comerciante arranjava-lhe umas mantas, para que os emigrantes pudessem passar a noite com algum aconchego.
Ao outro dia, partiam em direcção às minas das Astúrias, onde, naquele tempo, havia um grande número de portugueses a sacrificar o corpo, para ganharem dinheiro para sustentarem a família.
“Naquela altura, os tempos eram difíceis e as pessoas faziam tudo por tudo para sobreviver. Era melhor virem para Espanha do que roubarem”, enfatiza Maria Garcia Fernandes, que espelha no rosto a satisfação por ter dado a mão a pessoas que pouco mais tinham do que a roupa que traziam no corpo.
Já do lado espanhol, os forasteiros, entre homens, mulheres e algumas crianças, deixavam transparecer um alívio no rosto, visto que tinham conseguido escapar à fiscalização apertada que se encontrava na fronteira.
A pé ou de autocarro, conforme os tostões que tinham na algibeira, os emigrantes do Nordeste Transmontano punham-se a caminho, sem, pelo caminho, deixarem grandes referências sobre o seu paradeiro ou sobre o seu destino.

Ajudar os pobres

“Pouco diziam. Via-se que eram pessoas pobres e diziam que vinham para Espanha para ganharem a vida. Porque em Portugal viviam-se tempos muitos difíceis”, salienta a octogenária de San Martin del Pedroso.
Maria Garcia Fernandes diz que, apesar do sacrifício que tinha que fazer para sustentar a família, nunca deixou partir nenhum forasteiro com frio ou fome. “Já bastava o desespero das pessoas, que iam para outro país à procura do incerto”, desabafa com alguma tristeza.
Com um sentimento de dever cumprido, esta habitante de uma aldeia que dista cerca de dois quilómetros da fronteira entre Portugal e Espanha, só deseja que essas pessoas sejam felizes e que tenham conseguido alcançar os seus objectivos.
Esta realidade é confirmada por Manuel António, um guarda-fiscal reformado da aldeia de Quintanilha, que afirma ter ensinado o caminho para Espanha a muitos portugueses, quando andava à civil, dado que a maioria das pessoas que emigrava não tinham passaporte para atravessar a fronteira.