Qua, 01/03/2006 - 10:42
Provavelmente um fenómeno genético, mas a verdade é que a sui generis estirpe lusa não parece muito influenciável pela vertente pedagógica que este preceito moral encerra: à boa maneira portuguesa, depois da “ casa arrombada”, agimos emotivamente e sob a pressão do inevitável cerco causado pela mediatização que a circunstância da tragédia pode provocar. Depois do habitual acto de contrição, assente a poeira, volta tudo à primeira forma.
O recente rapto do bebé, do Hospital Padre Américo, em Penafiel, espelha bem o quão displicente é a forma como encaramos a vida. Tendo em conta que este caso, no panorama nacional, está, infelizmente, longe de ser isolado, a lição a retirar é a de que os erros apenas poderão ser o caminho da perfeição, quando, com uma grande dose de humildade, sobre eles conseguirmos reflectir e retirar proveitosos ensinamentos.
Pelo facto do Serviço de Maternidade do Hospital de Bragança ter sido, nos últimos tempos, objecto de acesa polémica relativamente ao seu eventual encerramento, e porque se torna evidente que esta valência é demasiado importante e séria para se questionar a sua utilidade, parece-me pertinente aludir ao grau de segurança da unidade de saúde que directamente nos afecta e nos diz respeito, numa abordagem, o mais possível, feita a partir do signo da objectividade.
Efectivamente, no 3º piso do Hospital de Bragança, onde funciona, na ala esquerda, o serviço de obstetrícia e, na direita, o de neonatologia e pediatria, nunca, que se saiba, de lá foi raptada qualquer criança, simplesmente porque ninguém ousou cometer tão monstruoso acto. O que, regra geral, quando este crime hediondo é consumado, quem é lançado para os “galhos” do touro são, injustamente, os profissionais de saúde que acompanham as crianças doentes e/ou recém – nascidos, porque acusados de negligência.
Na verdade, a questão da segurança no Hospital de Bragança é entendida, por parte de quem gere a instituição, de uma forma destemperadamente estranha. Quem conhece minimamente este hospital sabe que a acedência ao 3ª piso – assim como a outros – é possível ser feita, a qualquer hora do dia, por “ pessoas estranhas ao serviço”, sem serem, na sua caminhada, interpeladas ou importunadas por quem quer que seja. Pelo que muito contribui a alternativa aos vários itinerários: é possível fazê-lo com passagem quer pela porta principal, quer pela Urgência -sem que ninguém nos pergunte quem somos e o que pretendemos -, entrando pelas portas de trás dos elevadores centrais; ou pela mesma via conducente, sendo que a entrada pode ser feita através da cave, passando pela casa das máquinas e pelo bar. Uma vez lá em cima, é fácil de penetrar no interior de qualquer das alas, não obstante o sistema de abertura das portas ser comandada do interior. Esta facilidade só é possível – presenciei-o, amiudadas vezes, na minha condição paternal -, porque muitos pais e demais familiares, depois da respectiva visita, cometem a imprudência de deixar as portas abertas. Cenário que permite, pelo menos em neonatologia (fica a ¾ metros da porta principal) e nas primeiras enfermarias da obstetrícia, que o pior possa acontecer; bastando para isso que o pessoal que aí trabalha se ausente escassos segundos, no apelo duma emergência dentro do próprio serviço.
No entanto, pese embora a anarquia e o desleixo que impera em termos de “trânsito” de acesso ao vulnerável 3º piso, as sete(?) cabeças pensantes que compõem o corpo administrativo do Centro Hospitalar do Nordeste Transmontano apenas se preocupam com o requisito segurança para a entrada do Serviço de Urgência. E aqui a malha da tolerância é tão desumana e ridiculamente estreita, que chega ao ponto, por exemplo, do excesso de zelo e de alguma bronquice à mistura (de um ou dois Seguranças), não permitir a entrada, em simultâneo, do pai e da mãe, quando o filho ( bebé ou criança) dá entrada na sala de urgência.
Espero que este arrazoado possa contribuir para que Bragança jamais possa vir a ser objecto de notícia pelas piores razões. Afinal de contas, a ideia de que Bragança é uma cidade pacata, só pode ser defendida por quem se recusa vê-la de outra perspectiva que não a romântica. Quem imaginava ser possível, na nossa cidade, a ocorrência de assaltos através do covarde método do esticão?!