Brigantino Costa Andrade a caminho da presidência do TC

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Qua, 20/07/2016 - 15:16


O jurista e professor catedrático em Direito Penal, Manuel da Costa Andrade, vai ser o próximo presidente do Tribunal constitucional (TC). Aos 72 anos, este professor jubilado da Universidade de Coimbra, natural de Carção, concelho de Vimioso, que acumula uma vasta experiência académica com a intervenção política, - foi, por exemplo, deputado pelo PSD à Assembleia Constituinte de 1976 – prepara-se para uma nova etapa na sua vida pública. O nome de Costa Andrade é consensual entre as bancadas parlamentares do PS e PSD e é certa não apenas a eleição para o TC – a votação terá lugar no parlamento na próxima sexta-feira, dia 22 –, como a mais do que provável designação, entre os juízes, para presidir àquele órgão de soberania. Em entrevista ao Jornal Nordeste, Costa Andrade referiu encarar este novo desafio com “espírito de missão” e, ao mesmo tempo, “um enorme sentido de responsabilidade.

 

Jornal Nordeste (JNordeste) – Pedia-lhe uma primeira reacção a esta mais do que provável eleição para a presidência do TC?

Costa Andrade (CA) – A primeira reacção é de uma profunda responsabilidade. O TC é um órgão marcante, é quase a pedra que fecha a abóboda da nossa organização jurídico-constitucional, por ele passa a constitucionalidade das leis mais importantes. Portanto, um forte sentimento de responsabilidade mas, ao mesmo tempo, um certo sentimento de tranquilidade de alguém que não vai satisfazer interesses ou vaidades, mas tão-somente com a missão de serviço, na certeza de que se preparou ao longo da vida para assumir a tarefa.

JN – É então dentro de um espírito de missão que encara esta nova etapa da sua vida?

CA – Sim, porque não teria, no plano dos interesses, e passe o pleonasmo, qualquer interesse em ir, quer fosse o de ganhar nome ou outros interesses materiais, antes pelo contrário. Mas há alturas na vida em que se exige uma certa renúncia e em que não podemos ficar sempre em casa, e por isso é preciso sair para a chuva.

“O TC é um órgão marcante, é quase a pedra que fecha a abóboda da nossa organização jurídico-constitucional”

JN – É do conhecimento de todos que esteve nos trabalhos da Assembleia Constituinte de 1976, num período muito duro para a construção da democracia, eleito pelo círculo de Bragança. Para além do objectivo de servir o país, e sabendo-se que o TC tem sido visto por muitos, nos últimos anos, como uma espécie de contrapoder, ou balança do poder, como analisa este cenário?

CA – Sim, a lógica é uma lógica de serviço. Claro que o TC, sobretudo em épocas de crise, quando os problemas de constitucionalidade de algumas normas que impõem sacrifícios se colocam, põe-se naturalmente o problema da constitucionalidade, das exigências de proporcionalidade e de justiça das medidas que foram tomadas e é também natural que nesse ponto haja opiniões ligeiramente diferenciadas. Mas tenho a certeza que os nossos antecessores agiram sempre de acordo com aquilo que pensaram que era a Constituição. Todavia, repito, há a possibilidade de interpretar a Constituição relativamente a estas questões de carácter económico, financeiro, fiscal, tributário, etc. e é natural que possam existir opiniões diferenciadas.

“[Sobre o Brexit]Isto pode ser extremamente positivo para a Europa, acordá-la do seu torpor e da sua tranquilidade sonolenta.”

JN – Tendo em conta os últimos acontecimentos, nomeadamente, o “Brexit” inglês, considera que poderá haver a necessidade das constituições dos países da União Europeia se ajustarem a esta nova realidade?

CA – É natural que esta experiência leve os líderes europeus a prever com mais pormenor as hipóteses de eventuais saídas. A construção europeia assenta na liberdade e autonomia dos povos, e até aqui só tínhamos conhecido movimentos num sentido, movimentos centrípetos, no sentido da adesão, mas podem dar-se agora – e já aconteceram – movimentos centrífugos, de afastamento. Não estando, naturalmente, excluída a hipótese de quem hoje sai, amanhã possa voltar. Uma das ideias fundamentais da democracia é que a história não está escrita, como pensaram em tempos os marxistas. A história não está pré-determinada, a história é abertura e é contingência e é surpresa. O ponto é que se salvaguarde sempre a autonomia dos povos e isso na Europa está assegurado. Por isso, penso que não deve dramatizar-se a saída do Reino Unido. O que deve é tornar os líderes europeus conscientes da contingência das soluções e, portanto, uma obrigação acrescida de maior atenção, de maior cuidado com os povos, de uma governação mais eficaz. Isto pode ser extremamente positivo para a Europa, acordá-la do seu torpor e da sua tranquilidade sonolenta.

JN – Pode haver aqui um fenómeno de contágio, após a saída do Reino Unido?

CA – Tudo vai depender da evolução económica, social e cultural. Ninguém pode pretender que tem a chave do futuro. É preciso é estar atentos e abertos a todas as possibilidades. A única coisa que se pode fazer é identificar as raízes do mal e contrariá-las. A única coisa que seguramente vai acontecer – porque está na raiz da cultura europeia – é que os povos continuarão a ser autónomos e soberanos. E o desejável é que a sua soberania e autonomia se orientem para a construção da casa comum europeia. Mas se algum quiser sair, a Europa só pode aceitar aceitar, na certeza de que o afastamento não será para muito longe. Queira-se, ou não, somos filhos da mesma cultura iluminista e isto vai ter reflexos.