Tio Domingos Afonso, o filósofo do povo

PUB.

Ter, 14/02/2017 - 10:31


Olá familiazinha! Hoje é o dia dos namorados, dia de S. Valentim. “Admirar é amar com o cérebro. Amar é admirar com o coração”. Parabéns a todos que continuam a namorar e a desfrutar do amor a dois (eu incluído). Uma saudação especial e amiga a dezenas e dezenas de casais da família do Tio João que já festejaram as suas bodas de ouro matrimoniais, os últimos dos quais, já este ano, o Tio Sebastião e a Tia Mariana, de Cernadela (Macedo de Cavaleiros) e o Tio Aníbal e a Tia Aurora, da Póvoa (Miranda do Douro). Temos também alguns casais que já ultrapassaram a barreira dos sessenta anos de matrimónio, como é o caso do nossos Tio Gualter e Tia Maria, de Agrochão (Vinhais), que já namoram há sessenta e sete anos. Que para todos continue a durar o pão da boda.
Neste número, dedicado ao nosso filósofo do povo, Domingos Esteves Afonso, grande cantador típico que como ele, só ele. Era único na maneira de cantar e encantar. Muito católico, aconselhava os pastores a rezar o terço porque “o terço não faz calos nas mãos”. Deus chamou-o na passada terça-feira, dia 7 de Fevereiro. Muitos o choraram sem nunca o terem conhecido pessoalmente. Que tantos anjinhos o acompanhem como vezes nos rezou, cantou, tocou e encantou. Os nossos sentimentos a toda a família enlutada. Paz à sua alma.

 

Domingos Esteves Afonso, conhecido por “Tio Afonso”, nasceu em Palaçoulo a 19-08-1928, no seio de uma família humilde, composta por 6 irmãos, 4 raparigas e 2 rapazes. Foi pai de 4 filhos: Manuel, Jacinto, Laura e o Vítor.
Com a idade de ir para a escola, passou logo para a universidade da vida, aprendendo a profissão de pastor de ovelhas e cabras, passando ao lado da leitura e da escrita.
Era católico, rezava o terço e abençoava a mesa, muito bem. Tinha gosto naquilo que fazia.
Como a vida não lhe permitiu frequentar a escola, Deus dotou-o de uma memória invejável. Tinha uma capacidade de memorizar, como poucas pessoas têm. O que lhe permitia saber orações até dizer chega!
Quando chegou a adulto foi agricultor. Com as suas juntas de vacas lavrava as suas terras.
A polivalência invejável que tinha, permitiu-lhe que durante vinte anos exercesse a profissão de moleiro. Moía trigo e centeio para as gentes de Palaçoulo e das aldeias circunvizinhas, que traziam bestas e carros de bois carregados de sacos de trigo para que, com as suas mãos de mestre, o transformasse em farinha, destinada ao fabrico de pão.
Dotado de uma grande voz, passava quase dias inteiros a cantar. Mesmo quando se deslocava pelos caminhos ia cantando.
Dizia ele que, quando era criança e guardava o seu rebanho, ouvia o seu pai cantar e cantava muito bem. Então ele queria imitá-lo e começou a cantar, entretido a aperfeiçoar a sua voz e a pensar na letra das cantigas. Acontecia que, às vezes, deixava aproximar pessoas sem que ele desse por isso. Então ficava envergonhado e escondia-se atrás das giestas. Depois, já adulto, com a sua voz afinada, aprendeu a cantar o fado e centenas de vezes o cantou à volta do povo, na ronda da mocidade, ao som de guitarras, acordeões e realejos. Era uso e costume na terra.
Criava versos como os melhores poetas. Era capaz de estar uma noite inteira a cantar o fado ao desafio, fazendo versos conforme ia cantando. Tocava muito bem o realejo.
Isto permitiu-lhe gravar três CD’s, com músicas diferentes.
Depois dos setenta anos de idade, num acidente agrícola, perdeu muita mobilidade, o que fez com que ficasse quase parado.
Então, sentiu necessidade de ter a rádio como companhia. Assim, tornou-se um ouvinte assíduo da Rádio Brigantia, com especial relevo para o programa do tio João, onde participou activamente, rezando as suas orações da manhã, contando as suas histórias, cantando e encantando com as suas cantigas a família do tio João. 
Com muita facilidade dizia expressões brejeiras, como por exemplo; quando chamava pelos pastores e lhe pedia que rezassem, porque o rezar não cria calos nas mãos etc.
Participava também no programa dos discos pedidos. Utilizava a rádio para cumprimentar os amigos.
Há cerca de dez meses que estava no lar de São Miguel em Palaçoulo, onde não tinha as mesmas condições para ligar a família do tio João. Assim, ouvia o programa todos os dias, mas não intervinha como antes.
Pela amizade que tinha com todos os tios e tias da família do tio João, há cerca de dois anos, a mim, como seu sobrinho e afilhado, fez-me o seguinte pedido: “Quando eu falecer, quero que no dia seguinte, ligues para o tio João e lhe transmitas a notícia!”
Fiz-lhe a vontade e transmiti a notícia do seu falecimento na manhã do dia 8-02-2017.
Depois de ouvir o programa e me aperceber a consternação que a noticia causou às pessoas que ouvem e participam no programa do tio João.
Aproveito esta oportunidade para, em meu nome e em nome de toda a família do tio Domingos Afonso, agradecermos os sentimentos e considerações que nos transmitiram. Um bem-hajam a todas as pessoas que o fizeram.
Certamente ele, lá em cima, está a rezar e a pedir por toda a FAMÍLIA DO TIO JOÃO. Paz à sua alma!

Domingos Martins