Vendavais - E se a areia escaldar?

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Em pleno Agosto, há alguns anos atrás, fui como muitos de nós, gozar uns dias merecidos de Sol e calor à beira mar, local preferencial para quem passa um ano inteiro a olhar os montes que nos rodeiam. A beleza deliciosa da paisagem, porventura agreste, dilui-se na orla marítima onde o horizonte é demasiado longínquo e o olhar se perde na distância, por cima de um mar sereno, que vem de mansinho, beijar a areia onde se espraia. Contraste absoluto.

Cheio de confiança e ansiedade por pisar aquelas areias vulcânicas e mergulhar o corpo no mar salgado e quente da praia das Américas, logo me vi em situação crítica e tive de retornar pois a areia escaldava de tal sorte que descalço era proibitivo avançar. Ao lado, uma vendedeira de chinelos, sorriu e mostrou-me que só comprando uns poderia entrar pelas areias fora. Mas eu já levava uns calçados. Não foi preciso. Não esperava que fossem tão quentes os areais de Tenerife. Mas eram. Apesar disso, desfrutei, logicamente, do Sol e do calor quase africano, e fiquei com vontade de um dia voltar.

Os pequenos “gostos” que queremos concretizar, levam-nos a tomar decisões audaciosas e que só confrontados com elas podemos avaliar se valeu a pena ou não tomá-las. Mas todos temos de tomar decisões seja para concretizar desejos ou simplesmente agir. E agora estamos à beira de uma decisão importante.

Acabada a emergência, entramos em período de calamidade, o que não é muito diferente, mas obriga a tomar as tais decisões, simplesmente porque há mudanças que, tal como nos automóveis, nos levam a desligar o limitador de velocidade, mas o excesso de velocidade continua a ser penalizado com coima grave. Quer isto dizer que embora em autoestrada, não podemos ir demasiado depressa, pois é crime e põe a segurança em risco, a nossa e a dos outros.

O estado de calamidade não vem alterar a responsabilidade das pessoas, só retira às pessoas a proibição de tomar determinadas decisões. As pessoas são mais livres para agir como em tempos normais, que não é o caso. Então continua a existir a exigência de um comportamento regrado, cujas balizas nos devem permitir não correr riscos. E os riscos são enormes.

O mundo inteiro está a viver a grande vaga de alarmismo e realidade severa de um avanço viral que já causou uma taxa de mortalidade elevadíssima. Mesmo assim, há os que não acreditam na letalidade apregoada que o “bicho” causa e há os que já mudaram de opinião. Mas também há os que vão alertando para uma possível segunda vaga que pode ser ainda mais mortífera que esta. E se for isso mesmo?

Quando Julho e Agosto chegarem, as autoestradas que nos conduzem às areias mornas do Sul, ficarão repletas de veraneantes que buscam novos horizontes e que querem chegar o mais depressa possível. As praias esperam, claro. A ansiedade é inimiga do bom senso e parceira do risco.

As regras para usufruir das areias quentes e das ondas do mar sereno, já estão a ser apregoadas para avisar os incautos, mas ainda falta muito para Agosto. E se a calamidade der lugar ao desrespeito, à falta de bom senso, ao não cumprimento de regras e sobrevier a necessidade de um novo confinamento para travar a segunda vaga? Não será muito pior perder novamente a liberdade? Travar a euforia e a ansiedade é da responsabilidade de cada um, mas é um direito de todos.

E se as areias escaldassem? Parece-me que se os areais queimassem como o que eu apanhei na praia das Américas, isso contribuiria para impedir a correria desmesurada que irá encher as orlas marítimas do sul. Mas atenção. Não venham a ser queimados pelo vírus, porque é bem pior que as areias e para ele não há chinelos que valham. Nem as máscaras e as luvas.

Luís Ferreira