Vendavais … e nela mando eu

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O Mundo acabou de homenagear a mulher num dia simbólico para o efeito. Ótimo. Quando existem dias para comemorar tantas coisas e algumas delas dispensáveis, seria péssimo que não se dedicasse um dia especial à mulher. E não me venham dizer que sem os homens as mulheres não existiam e vice-versa. Machistas e falsos moralistas não fazem História.

A mulher desempenhou sempre ao longo da História um papel importantíssimo. Esposa e mãe, rainha e governante, aliada e até moeda de troca para os grandes Tratados de Paz e harmonia entre Estados.

Desde os tempos pré-históricos que ela foi olhada com importância, porque fazia crescer o grupo e quanto mais elementos este tivesse melhor se podia defender dos outros grupos, pela cobiça, inveja e disputa entre os elementos do grupo, mas também com desdém quando era relegada para um segundo plano, cabendo-lhe tarefas consideradas próprias das mulheres. Mas na Grécia Antiga não era muito diferente num regime onde se apregoava a democracia e a igualdade. Aqui valia pouco na sociedade.

Foram precisos séculos para que a mulher tentasse conquistar um lugar digno na sociedade mundial. No início do século XX iniciou-se essa luta pela afirmação da mulher com Emmeline Pankhurst na Inglaterra. Nascia o movimento feminista que se iria alastrar por todo o mundo, embora de uma forma bastante irregular. A mulher era considerada somente como mãe e esposa, a cuidadora do lar, a progenitora.

A primeira Grande Guerra e a Segunda Guerra Mundial vieram dar-lhe um lugar merecido, quer no mundo do trabalho, quer na família. Desde então vemos a mulher a ocupar o lugar do homem em muitas empresas e a ter um papel de algum relevo até mesmo na política, onde os homens sempre pontuaram.

Mas ser mulher é muito mais do que tudo isto. Não é só mais uma peça de uma engrenagem enorme. A mulher tem de ser vista como mulher e não como uma peça sobresselente. E ao ser descortinada como um ser feminino com todos os atributos que lhe são devidos, descobrimos facilmente os problemas que muitos querem ignorar. A solidão atroz a que muitas são devotadas, não só pelos maridos, mas também porque estão verdadeiramente sós. Não têm família porque não conseguiram casar ou porque a família simplesmente não existe. Abandonadas, vêem-se num mundo de predadores e o esconderijo é uma das soluções para escapar. A infertilidade que atinge muitas mulheres que gostariam de ser mães, coloca-as numa zona desconfortável, porque os maridos as culpam da culpa que não têm. Daí até as agredirem por essa culpa ou porque essa será a desculpa para todas as agressões, é um passo muito pequeno.

Não será um problema somente atribuído à sociedade portuguesa, aquele com que nos deparamos hoje em dia, o da agressão gratuita. Quando nos informam que só este ano já foram assassinadas mais de uma dezena de mulheres sujeitas a violência doméstica, temos forçosamente de parar para pensar e pensar profundamente, pois algo está muito mal na nossa sociedade do século XXI.

Portugal sempre foi tido como um país pacífico, conservador e acolhedor. Pois toda a agressividade que está patente neste ranking, não abona nada em nosso favor e desvirtua completamente os adjectivos que nos têm sido atribuídos.

A mulher não pode ser um bombo de festa onde o homem descarrega todo o seu mal-estar. As razões que vêm a lume para justificar toda a série de violações e assassinatos de mulheres, são na sua grande parte, o justificativo do falhanço dos homens ao não saber lidar com os seus problemas familiares e mesmo profissionais. Isto é inadmissível.

Por outro lado a justiça pouco faz para resolver o problema. A legislação é muito dúbia e a sua aplicação divergente. Mas acima de tudo isto o que não existe é consideração. Todo o ser humano merece ser considerado e se a mulher é tida como mais fraca fisicamente, e só aqui, não é razão para o homem abusar da sua força e descarrega-la onde a fraqueza abunda para que possa vangloriar-se da sua ação. Fraqueza é o homem usar a sua força para castigar a mulher indefesa para justificar o seu próprio falhanço e incapacidade. Pior ainda é matar. Matar a esposa, a mão dos seus filhos e muitas vezes matar a sua própria mãe. Simplesmente inqualificável. O velho ditado sobre a mulher que dizia “Lá em casa manda ela e nela mando eu” tem de ser alterado urgentemente em nome do feminismo e de uma sociedade mais justa e igualitária. O homem que pense a sério qual o seu lugar nesta sociedade moderna, antes que não tenha lugar certo.

Luís Ferreira