É Natal, festa da família, do convívio e da degustação do trivial. Os tempos mudaram, mas a tradição é quase a mesma desde há um século. Parece ser no Norte que se verifica mais a exclusividade de uma tradição ligada ao bacalhau que à mesa acompanha as couves na ceia de Natal. Há mais de um século ele era a delícia dos mais pobres que o comiam cozido com as belas couves galegas e às vezes cebolas. No Sul, as coisas não são tão tradicionais. Aparece mais o peru e é o dia de Natal o mais celebrado. A consoada parece não ter tanta importância. Mas é em Lisboa que o Bolo-Rei surge e se transforma num sucesso tremendo, mesmo antes da implantação da República, em cujo regime se alterou o nome para Bolo de Natal, mas rapidamente veio a recuperar por vontade popular o nome real. O espírito de Natal esteve sempre envolto em animação na cidade do Porto e em todo o Norte. Se hoje na última feira antes do Natal, todos vão comprar o que precisam, o mesmo acontecia na última feira na cidade do Porto, onde as ruas se enchiam com a população da cidade e das regiões vizinhas, todas aperaltadas, passeando-se pelas barraquinhas dos vendedores de mel, do pão-de-ló, do pão de trigo e da regueifa. Era uma animação extraordinária que não se perdeu em todo o Norte, já que ainda hoje o mesmo se verifica nas feirinhas que por todo o lado acontecem. As pessoas são aos magotes, procurando as hortaliças e frutas secas para a ceia de Natal e enfeitar a mesa que, em muitos casos, não se desmancha até aos Reis. Se antes tínhamos o bulício das ruas onde podíamos encontrar os tocadores de gaitas de fole, hoje também os temos em muitos momentos, quer na cidade, quer nas aldeias do interior. Os garotos no Nordeste e não só, costumam “cantar os Natais” andando de casa em casa recebendo o que lhes é possível dar. Mas se há algum sentido profano nestas comemorações, enganemo-nos pois o espírito de Natal também acontecia nas igrejas. No século passado faziam-se as novenas ao Menino Jesus, não só na cidade do Porto, mas também em outras localidades. E não nos esqueçamos da Missa do Galo, que na noite da consoada é o ponto marcante das cerimónias religiosas da véspera de Natal. Reza a tradição transmontana e até minhota, que se deveriam alimentar as “alminhas” e para isso deixavam à entrada das portas uma “mesa posta” para que elas de alimentassem, participando da refeição natalícia. Outra tradição que se mantém é a construção do Presépio que já desde a Idade Média tem as suas raízes bem estruturadas. Faziam-se nas igrejas e em todas as casas. Era uma azáfama emocionante a sua armação, pois era necessário ir ao musgo e ter as figuras essenciais para a representação do estábulo e do que o circundava. A imaginação dos garotos era posta à prova para ver quem conseguia as melhores figuras e o melhor Presépio. A par do Presépio vinha a Árvore de Natal que se encontrava nos espaços públicos e nas casas mais tradicionais. Arranjar o pinheiro ajustado ao espaço disponível da sala e enfeitá- -lo era uma tarefa interessante. Antigamente, em que faltavam meios para adquirir os enfeites mais chamativos, tinham lugar o algodão, os rebuçados e as fitas coloridas. As bolas coloridas eram mais caras e por isso andavam arredias das Árvores de Natal em ambiente rural. Nos espaços públicos, hoje tão em voga, era diferente no século passado. A primeira Árvore de Natal parece ter aparecido no Porto no Palácio de Cristal, em finais do século XIX, enfeitada com brinquedos variados, balões e as fitas douradas. Hoje há quase uma concorrência entre as cidades para ver qual tem a maior e mais bonita Árvore de Natal. Ligado ao Natal está também o hábito de dar presentes. Essa tradição mantém-se em todo o mundo, apesar de há cem anos atrás só as famílias aburguesadas terem essa primazia. Hoje as crianças anseiam pelo Natal e invocam o Pai Natal como o distribuidor das prendinhas que caiem pela chaminé no dia de Natal à meia noite e vão parar ao sapatinho de cada um. Hoje podemos dizer que a tradição, na sua essência, se mantém. É a festa da família ligada pelo bacalhau cozido e as couves pencas e também o polvo que termina na Missa do Galo. O dia seguinte serve-se o peru e a roupa velha e a mesa está já posta com toda a doçaria onde não podem faltar as rabanadas, o Bolo-Rei, as filhós, os bolos de bacalhau, a aletria e o leite-creme. A mesa normalmente não é levantada até aos Reis. Quem quer serve-se e quem vier que se sirva também. De ontem até hoje, a tradição mantém-se. A única iguaria que não faz falta nesta festa, é o vírus que não permite que as famílias se juntem alegremente e à vontade. É pena.