Não há qualquer racionalidade na admissão , sem contestação nem um questionamento sobre a sua razão de ser do que parece ser um dogma de gestão que nenhuma escola, teoria ou pensamento com fundamento reconhecido segundo o qual e de acordo com a opção de quem julga ou detém o poder de julgar, a competência está umbilicalmente ligada à cor partidária do seu portador. Se o Governo é socialista, só os portadores do cartão rosa são capazes de executar com aptidão as funções diretivas das inúmeras comissões executivas das instituições públicas ou sob a tutela governamental. Sê-lo-ão, na esmagadora maioria dos casos, desde o início da legislatura até ao seu final. Porém, se por qualquer percalço, incidente ou infortúnio, o governo cair antes do tempo regular e, por acaso ou qualquer outro motivo, fortuito ou intencional, mesmo que por curta margem, for o PSD a chegar a S. Bento, automaticamente todas aquelas pessoas ficam incompetentes, imediata e inexoravelmente. Caberá na cabeça de alguém que o uso de um cartão, em determinada altura, conceda, por obra e graça de São Thomas More (padroeiro dos políticos e cuja memória se celebrou no dia 19 de maio) aos correligionários dos detentores dos centros de decisão, aptidões encobertas até então por subtração a quem, até então, as tinha, por intermediação, igualmente miraculosa da detenção de um cartão de outra cor. Não está em causa a legitimidade de definição das políticas orientadoras da governação nacional por quem foi, para tal, incumbido pela expressão popular nas eleições legislativas. Mesmo que, como várias vezes aconteceu e, infelizmente acontecerá no futuro, as opções dos governantes não sejam as mais adequadas para atingir o benefício geral que todos juram prosseguir. Claro que é natural haver mudança de atuação política sempre que muda a direção partidária da governação. O que não é fácil de entender é a necessidade de ter uma determinada filiação política para exercer com a necessária competência um cargo técnico dirigente. Desde logo porque, no governo de Passos Coelho, com uma composição política idêntica à do atual, foi criada a Cresap precisamente para garantir que a admissão de dirigentes para os cargos superiores da administração pública era feita com base na qualificação e aptidão para o lugar e não por qualquer lealdade partidária. Das duas, uma: ou a Cresap está a desempenhar adequadamente a função para a qual foi criada e então não é aceitável que a mudança de governo implique uma tal dança de cadeiras, porque um quadro competente tem obrigação de executar a contento as opções governamentais ou afinal havia outros candidatos melhor preparados (a proximidade política ao ocupante de S. Bento não passará de uma estranha coincidência) e então a Cresap não cumpre a sua missão e a única atitude consequente é denunciá-la e acabar com ela. Uma última reflexão. Quando questionado sobre a afã demissionária do seu governo, Luís Montenegro, em vez de justificar com as razões substanciais (ou falta delas) para a catadupa de exonerações declarou que as achava normais. Desafiou os jornalistas a investigarem no passado e, pelos vistos, existiram efetivamente chefes de governo mais “exoneradores” do que ele. Porém qualquer um deles exerceu o seu consulado precisamente antes da Cresap (que foi, recordo, criada para por fim a esse despautério). Acresce ainda que se a ambição governativa de Montenegro se conforma em não fazer pior do que fizeram Santana e Sócrates diz muito (ou muito pouco) da ambição do atual inquilino de S Bento.