Nos tempos que correm e nas voltas que a vida dá, muitos, infelizmente, recorrem à beneficência de quem os pode ajudar e não se intimidam em estender a mão, na esperança que alguma moeda aí caia ajudando a minimizar as agruras do dia a dia. São tantas as infelicidades da vida que alguns são atirados sem dó nem piedade para as esquinas ou parques, ruas e ruelas de algumas cidades, na esperança de assim sobreviverem. No fundo trata-se simplesmente de sobrevivência. Mas há várias formas de sobreviver. O dia 10 de março trouxe à luz a necessidade de uma mudança pedida pelos portugueses, muito embora essa mudança não fosse suficientemente explicita, já que os votos, apesar de significarem mudança, o que trouxeram foi, à partida, uma complicação enorme, lançando o país para uma situação nunca antes vivida. Sabemos o que aconteceu. A AD venceu com maioria relativa, mas uma terceira força política também se afirmou, desequilibrando o embate político a que já estávamos habituados. Perante isto, uns deitaram foguetes, outros andaram a apanhar as canas. O partido de extrema direita içou bandeiras e fez a festa como se fosse o ganhador das eleições. Por acaso não foi e não ganhou nada, a não ser 50 deputados o que não é coi- sa pouca. Foi o suficiente para começar a exigir negociações, a ameaçar a formação do governo e a aprovação do Orçamento de Estado, ou seja, impor-se a tudo e todos como se fosse a peça chave para que tudo pudesse funcionar. Funcionar como ele queria e com queria. Mas não. Contudo, todos os portugueses temeram o pior e começaram a lançar hipóteses sobre como poderia funcionar o futuro governo. Enquanto isso, Ventura continuou a pavonear-se e a impor-se a tudo e todos, até na comunicação social, esperando o contacto do PSD pedindo ajuda e apoio. Nunca aconteceu. As intervenções continuaram e o trunfo de ter tido um milhão e duzentos mil votos, servia de argumento para tentar Montenegro e levá-lo a uma conversa onde desdissesse o Não é Não. Como se os outros partidos não tivessem muitos mais milhões de votantes! O dia 25 de março chegou e com ele a eleição do Presidente da Assembleia da República. Depois dos argumentos do diz que disse, Montenegro sempre calado, apresentou o candidato que falhou a eleição. Aguiar Branco não foi eleito. O PS votou em branco e o CHEGA também. Uma confusão total que requereu uma segunda votação e a mudança de candidatos. Acusações de lado a lado e a afirmação de supostos acordos com Ventura, levaram a novo desenten- dimento e novo chumbo dos candidatos propostos. Uma vergonha na casa da democracia! Três eleições sem maioria e sem Presidente. Nenhum governo pode funcionar sem haver um Presidente da Assembleia da República e sem que esta funcione devidamente. Era necessário arranjar uma solução. Adiado o processo para o dia seguinte, era neces- sário ter uma solução credível para um problema tão grave e ridículo como este. A democracia portuguesa estava a ser seguida e criticada pelo mundo inteiro. Uma imagem inimaginável e desnecessária. Durante o resto do dia 25, a noite e a manhã de 26, houve um esforço tremendo para ultrapassar o imbróglio causado pela insensatez de um partido que queria a todo o custo fazer parte da solução, mas que só piorou o problema. Se lhe dessem atenção e falassem com ele, ele resolveria tudo, mas tinha de ter a última palavra para poder vangloriar-se do seu feito. Andava nos corredores da Assembleia insinuando-se, de mão estendida, pedindo que lhe dessem atenção. Falou com a comunicação social e reiterou o seu pedido. Ele só queria um pouco de atenção por parte do PSD. Depois tudo ficava resolvido, incluindo acabar com a influência do PS. Resolvia tudo. Só queria uma palavra com Montenegro. Nada. Ventura só queria uma esmolinha! O dia 26 de março trouxe uma solução repartida entre o PS e o PSD. A presidência da Assembleia da República seria repartida pelos dois partidos. Dois anos cada um. Os primeiros dois anos serão do PSD, com Aguiar Branco. Esta solução foi o entornar do copo. Ventura perdeu a compostura, pouca, que tinha e atirou-se a Montenegro e ao PS e ao acordo que tinham acabado de fazer. Acusou-os de tudo e mais alguma coisa, não se conformando ter sido posto de lado e ninguém lhe ter estendido a mão. A extrema direita continuaria solteira, tal como a culpa. O que é certo é que se Ventura fosse mais comedido e mais político em vez de ser tão impulsivo e quase arruaceiro politicamente, claro, ganhava muito mais e até teria sido ouvido como queria, mas não. Não conseguiu ser sábio e quis-se impor pela arrogância. Não conseguiu. Não se pode queixar. No final até teve sorte, pois foi do PSD que recebeu os votos para eleger o vice-presidente da Assembleia da República. Acabou por receber a tal esmolinha que andou a mendigar durante tanto tempo. Mas não nos iludamos. Montenegro e este governo que já conhecemos, vão ter um osso muito duro de roer pela frente. Durante seis me- ses, as coisas serão mais pacíficas, pois governarão com um Orçamento que o PS fez e aprovou. Depois, vem o novo Orçamento e aqui, Ventura quer vingar-se. Ou Montenegro e Nuno se entendem e os ministros são muito hábeis a negociar ou Ventura continuará a ser o trunfo que sempre foi. E aqui, talvez queira mais do que uma esmolinha.