Uma democracia suspensa por um fio de uma teia sinistra

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Marcelo de Sousa e António Costa constituem a dupla política mais divertida, cínica e desastrada de que há memória. Senão, vejamos. No dia 7 de Novembro, o primeiro ministro, num discurso com tanto de comovente como de teatral, proferido perante as câmaras de televisão como convém, anunciou que se demitia do cargo porque acabara de saber que era visado num processo conduzido pelo Supremo Tribunal de Justiça. Quem diria que um mero parágrafo, escrito pela Procuradora-Geral da República que o próprio nomeara, seria suficiente para o derrubar! Convém lembrar que António Costa era primeiro ministro há 8 anos, marcados por inúmeros erros e escândalos clamorosos que afectavam directamente o Governo, o que tornava insustentável a sua governação. Para lá de que usufruía das vantagens de uma maioria absoluta que lhe permitia fazer o que lha dava na republicana gana, acolitado por compinchas fiéis, em que pontificavam Vítor Escária, Diogo Machado, Pedro Santos, Fernando Medina e João Galamba, protagonistas dos casos mais graves e indecorosos da legislatura. Tudo com o seráfico beneplácito do presidente Marcelo de Sousa, deve acrescentar-se. Razões mais que suficientes para que o presidente da República tenha anunciado, de pronto e informalmente, como é seu timbre, que aceitava a demissão do primeiro ministro, embora só a formalizasse no dia 7 de Dezembro, um mês depois, portanto. A dissolução da Assembleia da República ficaria ainda para mais tarde, para 15 de Janeiro. Entretanto, em 10 de Novembro, o mesmo presidente anunciou, com 5 meses de antecedência, a realização de eleições a 10 de Março de 2024, certamente com o propósito de dar o tempo necessário para a democracia se recompor das ofensas a que vinha sendo submetida. Concedendo, igualmente, a António Costa, tempo suficiente para continuar a fazer o que lhe apetecer, dado que continuará no cargo até 10 de Março. Tempo que irá utilizar não para governar, certamen- te, mas para salvar a face e branquear a imagem do seu partido socialista. Entretanto Marcelo de Sousa, que agora anda em palpos de aranha com a melodramática novela da gémeas brasileiras e de candeias às avessas com António Costa, perdeu a febre dos “selfies” e deixou de sorrir. Bem desembaraçar esta teia, obriga a que recuemos 2000 anos para recuperar o célebre comentário do general romano Sérvio Galba e que reza assim: “Há, na parte mais ocidental da Ibéria, um povo muito estranho: não se governa nem se deixa governar”. Comentário este que tem sustentado uma enorme fraude histórica porquanto os portugueses de hoje, contrariamente aos lusitanos de Sérvio Galba, são um povo pacífico e civilizado, salvo melhor opinião, e que até se deixa governar em qualquer sistema, trate-se de uma ditadura ou de um regime mascarado de democracia como o actual. Mais grave ainda: os portugueses de hoje pouco se importam com quem os governa, mesmo se estes desgovernam o Estado para melhor se governarem a si próprios. É o que se tem visto, mais claramente, nestes anos em que pontificou a dupla Costa /Marcelo. Portugal vive agora uma situação dramática, portanto, em que a democracia está literalmente suspensa por um fio de uma sinistra teia de interesses em que o poder se enredou e que ameaça lançar a Nação no caos. Assim é que o poder executivo passou a fazer de conta, o legislativo irá, em breve, encerrar para obras, o judi- cial está minado, ainda que alguns seus representantes resistam heroicamente e o próprio Chefe de Estado e comandante supremo, tem a sua autoridade e credibilidade gravosamente fragilizadas. Enquanto no Estado pululam incompetentes, ladrões e farsantes, que os portugueses incompreensivelmente reverenciam e aplaudem, desde que a cenoura com que os poem a puxar à nora seja pintada da sua cor preferida. Ante este cenário trágico, o eleitorado, a quem meteram na cabeça que é ele quem decide, apenas vai dizer de sua justiça quando os machuchos políticos entenderam: lá para Março do ano que vem. Só não adiaram as eleições para depois da inauguração do novo aeroporto de Lisboa, por exemplo, porque ninguém sabe quando verda- deiramente tal irá acontecer. Oxalá que o povo decida bem, ainda assim, a seu favor, que corte com o passado recente repudiando o devorismo e o demagógico estado social, socialista e socializante que apenas tem gerado mais injustiça e miséria. O que vem a seguir ninguém sabe, porém, por mais que as sondagens procurem condicionar o que a minoria não abstencionista irá determinar em 10 de Março. Certo é que Portugal vai continuar um país adiado, atolado no novo pântano institucional e social que Marcelo de Sousa e António Costa alegremente cavaram. Digam lá se isto não é gozar com quem os tomou a sério? Que se desiludam, contudo, os que pensam que vai ser o Ministério Público a julgá-los. Tão pouco o povo. Só mesmo a História.

Henrique Pedro