Como bom transmontano, de vez em quando, demando a Lisboa em passeio e a visitar familiares.
Em Lisboa vive-se muito bem, em habitações novas, ou recuperadas em velhos edifícios ainda com memórias pombalinas.
Em Lisboa vive-se muito mal em becos sórdidos, ou no aconchego de pátios escuros adornados com jornais que meigamente recebem os sem abrigo.
Das janelas amplas, cheias de Lisboa, lá está a cidade desenhada a esquadro, régua e compasso na previsibilidade do homem que em 1755 mandou enterrar os mortos e cuidar dos vivos, depois do medonho terramoto que reduziu a escombros a velha Lisboa, até ao Campo de Ourique.
A baixa lisboeta é um mundo cosmopolita, a grande montra onde deslizam as múltiplas etnias. Os negros reúnem-se no Largo de São Domingos, acampam, telefonam, falam outro português, na grande alteridade das culturas sem fronteiras.
As esplanadas animam-se, come-se marisco com sabor a descobrimentos, a mar e ao anonimato de gentes de todo o mundo que passam como se não passassem e vão não se sabe para onde.
Os mendigos descobriram novas estratégias, na antiquíssima arte de pedir e aplicam técnicas de marketing que apostam na emoção e na novidade para atingir difíceis objetivos, numa concorrência desmesurada nas ruas de Lisboa. Assim, um rapaz com longos cabelos e um ar de abandono de quem possuiu o tempo todo do mundo, amestrou um pequeno cão que levantava na pata uma lata, onde os transeuntes embevecidos iam depositando moedas, para gáudio e conforto do rapaz que descobriu que um cão obediente vale mais do que uma criança faminta que dorme no colo duma mãe velha e doente.
Mas Lisboa é assim, grande em tudo, no luxo, na riqueza, no Poder, na beleza, mas também no bizarro, no insólito e na miséria.
Lisboa tem muita gente. Muita gente culta, muita gente atenta ao País e ao Mundo e muita gente que se perdeu na vida e nos afetos e sobrevive nos subúrbios da grande cidade.
Lisboa acentua as contradições do povoamento, pois, enquanto a Capital tem gente a mais, o Interior morre, paulatinamente, na grande diáspora e envelhecimento das suas gentes.
Mas hoje, o povoamento não se faz por decreto. Hoje, o povoamento faz-se pelo aproveitamento e descriminação positiva das Regiões mais desfavorecidas. Hoje, o povoamento faz-se pelo apoio e incentivo à imigração seletiva e de qualidade que seja uma mais valia para a Região e para o País.
O eterno retorno da filosofia Grega leva-nos aos antiquíssimos Castros que morreram por falta de habitantes, dizimados por conflitos étnicos e pestes que espalharam a morte e o terror. Das ruínas dos Castros nasceram as aldeias. Trás-os-Montes povoou-se e despovoou-se vezes sem fim, resistindo sempre à fome, à guerra e à peste, com auxílio dos Santos e da bravura dos homens e mulheres deste “reino maravilhoso”.
“Cumpriu-se o Mar e o Império se desfez...falta cumprir-se Portugal…” diz-nos Pessoa.
Portugal está a cumprir-se na abertura à Europa e ao Mundo. Trás-os-Montes há de cumprir-se na valentia, persistência e determinação dos transmontanos.
Uma certa Lisboa
Fernando Calado