Ainda longe do estereotipo descrito por Aldous Huxley vivemos já um Novo Mundo que não pode deixar de nos causar alguma perplexidade se refletirmos sobre alguns aspetos da realidade do tempo presente. Como não nos espantarmos com a constatação de que, no exato momento que escrevo, o programa informático de criptografia da cybermoeda BitCoin foi o Banco que mais cresceu, que mais se capitalizou, operando uma moeda sem qualquer reserva conhecida, sem divisas, que ninguém sabe quem é o dono e nunca teve nem terá qualquer banco de atendimento. A Uber é hoje a maior companhia de taxis a nível mundial. Não tem um único carro e não contratou um único motorista. A maior plataforma de comunicação social, que mais leitores tem não produz nenhum conteúdo, não tem jornalistas nem editores: é o Facebook. Por seu turno a plataforma de comércio eletrónico, Alibaba, sedeada em Angzhou, na China, sendo o maior revendedor mundial não tem nenhum armazém porque não tem mercadorias suas para guardar. O maior operador tusrístico de alojmento, nos tempos de hoje, o Airbnb, não possui um único hotel, nenhuma casa, nem qualquer rececionista.
Na época natalícia que vivemos o número de postais de Boas Festas vai, provavelmente, superar a astronómica cifra dos anos anteriores e, contudo, é precisamente nesta altura que a empresa dos correios anuncia a sua crise crescente por causa da redução continuada e consistente de serviço. De qualquer forma, como no romance “O Admirável Mundo Novo” do inglês Aldous Huxley, referido no início, existe igualmente neste tempo que vivemos e que partilhamos uma reserva histórica onde os antigos costumes e regras continuam a vincar as mais ancestrais tradições, crenças e rituais. Que, ao contrário da novela britânica, não causa qualquer conflito junto dos aderentes aos novíssimos modos de vida e facilidades tecnológicas modernas. As couves tronchas podem ser compradas numa qualquer grande superfície com pagamento eletrónico de cartão de crédito, os momentos natalícios, à volta da lareira que crepita os incadescentes toros de carrasco serão, seguramente, partilhados e replicados no facebook e qualquer nordestino da Diáspora pode matar saudades e preservar as tradições de infância comprando numa plataforma digital a máscara de celebração do solstício que mais lhe agradar.
Não é necessário emigrar para poder regressar a casa, após o jantar natalício, num táxi da rede Uber e a deslocação ao Porto ou à capital para partilhar momentos com amigos e conhecidos pode facilmente garantir alojamento adequada através do Airbnb.
Queiramos ou não, o progresso faz o seu caminho e não se vislumbra forma de o deter, nem sequer de o abrandar, muito menos de o reverter. Resta-nos a reserva identitária que o interior, cada vez mais despovoado e, mesmo que acompanhando os benefícios civilizacionais, vai mantendo e preservando. E assim será enquanto houver gente que o habite já que não será fácil encriptar o bacalhau, virtualizar o borralho, digitalizar o calor humano das noites gélidas e programar em computador o afeto de um abraço e de um forte aperto de mão.
José Mário Leite