Nascido em 1931, no seio de uma família modesta do sudoeste da Rússia, Mikhail Gorbatchev assumiu-se como o comunista modelo, com ideias próprias e subiu rapidamente na hierarquia do Partido Comunista até chegar à liderança da URSS, em 1985. Corajoso e convicto de que a Rússia necessitava de grandes mudanças internas e externas, expôs ideias e projectos que lhe granjearam simpatias, especialmente dos que ansiavam por melhores dias e estavam cansados de setenta anos de ditadura comunista. A partir de 1985 efectuou diversas reformas internas reestruturando a União Soviética – Perestroika – e abriu o país ao mundo tornando a sua política transparente – Glasnost – até aí fechada ao mundo inteiro. Na ânsia de modernizar o país, cometeu o seu maior erro ao querer transformar a economia russa, até então fechada, numa economia de mercado, para a qual não estava preparada. Foi uma mudança drástica. Mas o erro não foi só seu, foi dos que ficaram à frente de algumas empresas, antes do Estado, que continuavam à espera dos subsídios estatais para ultrapassar os prejuízos. Mas isso tinha acabado. Sem traquejo para negociar e longe de saberem enfrentar a concorrência estrangeira neste mercado aberto, foram falindo umas atrás das outras, arrastando a URSS para o caos económico. Acabou assim por condenar a URSS em vez de a modernizar economicamente. A euforia inicial do povo, depressa esmoreceu. Mas a sua visão política mundial era de um homem conhecedor e defensor da democracia. Ele era socialista, mas sabia que esta política tinha contornos bem diferentes dos que se aplicaram até então na URSS e nada tinha de democrata. A sua política externa guindou-o ao patamar superior da política e do reconhecimento mundiais. Visitou vários países europeus e apostou na reunificação da Alemanha, que só com o derrube do Muro de Berlim seria possível. E foi o que aconteceu em 1989. A Europa estava unida novamente, caía a Cortina de Ferro e a Guerra Fria terminava. Ganhava o Nobel da Paz, mas internamente a sua política era fortemente contestada. As várias repúblicas que constituíam a URSS queriam a sua independência e ele tentou por todos os meios que a desagregação não acontecesse, mas aconteceu depois da sua demissão. Quer se queira ou não, Gorbatchev foi um homem de coragem ao enfrentar os homens do partido e detentores de enormes regalias políticas e económicas e ao implementar reformas que lhes retiravam o poder e as mordomias e empurra-los para vivências mais democráticas e muito menos dirigistas e usurpadoras. Claro que isto lhe granjeou imensos inimigos e o desmoronamento da URSS começava aqui. Mas se o desfazer da União se iniciava, também se iniciava o fim do comunismo e do Partido Comunistas Russo. Ieltsin, seu inimigo, foi o causador da mudança. A partir de 1991 a maior parte das Repúblicas Bálticas assumem-se como independentes e Ieltsin é eleito presidente da República da Rússia e reforça o seu prestígio ao encabeçar a resistência a um golpe dos saudosistas do Partido que pretendiam parar as reformas então em curso. O Partido Comunista foi extinto por Ieltsin. Sem palco e sem lugar próprio, apanhado de surpresa, Gorbatchev abandona a presidência da URSS que efetivamente já não existia. Na época e mesmo agora, Gorbatchev é visto como o homem que vendeu a Rússia ao capitalismo, mas também o grande construtor de uma Rússia nova, moderna e democrática e o reunificador da Alemanha. Mas a verdade é que foi um homem de contradições. Recentemente pronunciou-se favorável à anexação da Crimeia, mas as suas relações com Putin não foram as melhores apesar de pensar que a sua política poderia ser favorável ao desenvolvimento e estabilidade da Rússia. Contudo, pediu indiretamente o fim das hostilidades na Ucrânia. Era contra a invasão de um país soberano e irmão. Era contra a guerra. Dedicado a alguns projectos humanitários nos seus últimos dias, ficam para trás momentos grandiosos de realizações e transformações políticas que o marcaram indubitavelmente como um grande homem da segunda metade do século XX. Pleno de contradições, como qualquer grande homem, recebeu críticas e louvores de todos os setores políticos, embora não se entenda muito bem o porquê de o PCP criticar e culpar a sua atitude política. Nunca quis o desmembrar da URSS e nunca quis acabar com o socialismo na Rússia. Só a vontade de liberdade das repúblicas oprimidas e o querer da sua independência é que levaram mais tarde ao fim do comunismo na Rússia com Ieltsin. Será por isto que o PCP o critica? É sempre difícil entender o PCP, pois tanto quer falar de liberdades como critica as mesmas ou quem as concede. Há aqui um saudosismo masoquista por parte do PCP. É pena. Homens com a coragem de Gorbatchev e com tantas provas dadas em prol da democracia, da paz e do desarmamento mundial, não são muitos e nenhum é do Partido Comunista, português ou outro qualquer. Veja-se o que é a Rússia hoje e a Coreia do Norte onde as democracias são o pregão abençoado dos que governam. Mais ditaduras, não. Já chegam as que conhecemos e nada de bom de lá vem, sejam elas de direita ou de esquerda.