A atualidade é uma selva profunda, escura, escarpada. Seria preciso uma valente calagouça para abrir um caminho nesta encruzilhada de notícias boas ou más, sobretudo más notícias, neste remoinho de violências, de mentiras, de bobines sujas, de trampas de toda a ordem, de posturas ridículas, de sangue, de dinheiro e de ódio. Precaver-se com botas de água sólidas para não escorregar ao longo de tantos caminhos lamacentos ou prender-se às falsas lianas enquanto os ramos nos fustigam o rosto e nos dilaceram os braços.
Contudo, somos obrigados a ter em conta, esta atualidade. Não podemos contentar-nos de percorrer os nossos pequenos caminhos a assobiar ou estacionar numa pequena clareira sorridente que vamos encontrando ainda com alguma admiração. Não podemos desistir, temos responsabilidades perante a família, a escola, a sociedade. Mas com que luz, proveniente de que fonte, meu Deus!
O suplício começa logo pela manhã, com notícias que emergem de todo o lado. Forças irracionais incarnadas por chefes de estado, de governo, aspirantes a cargos de responsabilidade mundial -Vladimir Poutine, Bashar el Assad, Donald Trump … - que violam, torturam e matam, em nome da conquista islâmica do mundo ou doutras loucuras, através dos des Daesch, dos Ku Klux Klan ou dos Boko Haram.
Como é que um « Trumpolineiro » como esse milionário, que pelos vistos já foi quatro vezes à falência nos seus negócios de casinos e imobiliário, deixando no desemprego centenas de pessoas – o maior medo do cidadão americano – pode seduzir assim uma parte desse povo, pelo qual todos nutrimos admiração. Não se trata da Coreia e da “servidão voluntária” do seu povo. Contudo, tantas pessoas sensatas vão seguindo o caminho indicado por esse pastor ruivacento que brinca com aquele corpo de palhaço para percorrer os estrados dos media, e das escolas. Esse homem que se inspira de ditadores como Mussolini, sem saber e provavelmente sem querer, o que poderá ele fazer para restaurar a grandiosidade dos Estados-Unidos da América?
Nunca este homem será eleito, dizem-nos alguns especialistas. Não tenham medo. Esperamos bem que não!
Esta impostura está ligada a uma popularidade puramente mediática. Este “saltimbanco” foi fabricado pelos media, um herói da novela caricatural; violento, grosseiro nas piadas. Desde há 20anos que as democracias versam na telecracia e na encenação.
O mundo pretensamente mais civilizado e instruído deixa-nos que pensar. A existência duma classe média, um pouco por todo o mundo, não é suficiente para fazer germinar a democracia – senão a China ou o Iraque seriam Dinamarcas ou Suécias - é preciso ainda e cada vez mais uma sociedade que aceite a existência de escalas de valores diferentes e a sua mediação através da livre confrontação de opiniões. As sociedades fechadas toleram mal a abertura à diversidade de opiniões e crenças.
Porém, neste caso o mais preocupante nem é tanto o patinar das ideias democráticas, mas sim o ataque de que elas são o alvo mesmo das democracias mais antigas e, aparentemente, as mais solidamente implantadas no planeta. Não é na Coreia do Norte ou na Argentina de Peron que um Donald Trump vai estando em muitos estados à frente das primárias, mas sim nos Estados-Unidos de Jefferson e Obama.
Não nos deixemos enganar pelos que dizem: “Esse (ou essa) não, era o que faltava! ” É preciso contar sempre com estes sobressaltos e reprová-los, se quisermos acreditar no valor da democracia.
Por Adriano Valadar