A República Socialista de Lisboa e Colónias

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Não tenho a pretensão de fazer análise política. Para tanto não tenho preparação e muito menos me é dado conhecer os meandros do poder, só acessíveis a politólogos profissionais, enfeudados ou não. E a quem tem amigos influentes, claro está. O que não obsta a que quem quer que seja possa intuir as reais motivações e justamente criticar os actos dos poderosos com base na informação credível que vem a público. Limito-me a escrever inócuos artigos de opinião, portanto, o que está ao alcance de qualquer cidadão que a tal se predisponha e que se dê ao desfrute de ler e ouvir diariamente diversificados órgãos de comunicação, tendo, para lá do mais, o cuidado de aferir a credibilidade da informação. Acrescento que não me revejo plenamente em nenhum partido existente muito embora seja um fervoroso adepto da chamada democracia liberal, sistema político que é, no meu entendimento, o mais justo e que melhores e mais seguras perspectivas abre para um mundo melhor. Donde se infere que igualmente me não revejo no regime político vigente a cujo controverso ordenamento jurídico devem ser atribuídas as graves doenças de que a democracia portuguesa enferma e que fazem do Estado português, por mais que me desagrade dizê- -lo, um estado marginal da União Europeia. Quando se diz que Portugal continua na cauda da Europa é isso mesmo que se pretende realçar. Vários são os sintomas dessas graves enfermidades que afectam Portugal. Em linguagem clínica dir-se-ia que os principais são a febre alta da corrupção, os entorses anquilosantes da coluna vertebral da democracia que é o Sistema Nacional de Justiça, o raquitismo social traduzido nos indecorosos níveis de pobreza e desigualdade e a crónica anemia económico-financeira materializada na preocupante divida pública. Tudo conjugado com a asfixiante hegemonia partidária que oprime a democracia e que agora mais se acentua com a maioria absoluta do PS e o declínio, imparável, do PSD. Tudo leva a crer que com António Costa a hegemonia do PS se acentue e que o PSD, que continua sem ter líderes incontestáveis por mais actos eleitorais a que se submeta, não irá parar de se degradar. Será caso para se dizer: deixem António Costa voar livremente para o seu tão almejado cargo na Europa que Portugal e a democracia só ganharão com isso. É do senso comum, de facto, que o PS cada vez mais se afirma como um partido homogéneo, com uma enorme freguesia, que não para de crescer, sem outra ideologia que não seja o oportunismo e com a mais elevada taxa de solidariedade corporativa entre correligionários, ilícita e antidemocrática, baseada no nepotismo, amiguismo e compadrio levados a níveis indecorosos, bem como na protecção, subtil e sistémica, dos seus mais destacados militantes envolvidos em escândalos de corrupção. Característica que, tudo leva a crer, mais se acentuará com o inevitável abastecimento da máquina partidária com verbas do PPR, por mais observatórios de acompanhamento que inventem. Tudo se conjugará, como é óbvio, na afirmação e aprofundamento da emergente República Socialista de Lisboa e Colónias que assenta no reforço da hegemonia política do PS, no agravamento da centralização político-administrativa, cultural e económica em Lisboa e no agravamento do abandono do interior, com as regiões a serem cada vez mais tratadas como colonias. Sendo que a colónia Porto irá continuar a sua luta pela independência. O PSD, em contra partida, mais uma vez demostra ser um partido heterogéneo, sincrético, em que pontificam barões nacionais e baronetes regionais que primam pelo individualismo, pela vaidade pessoal e pela disputa avulsa de mordomias. Estas foram, de resto, as principais causas do fracasso de Rui Rio a quem nunca se ouviu, por exemplo, uma palavra de defesa da governação de Passos Coelho, o que provocou a fuga de muitos destacados militantes para o Chega e o Iniciativa Liberal que, por certo, não irão retornar. Ilustrativa desta magna diferença entre os dois maiores partidos é também a forma agreste e distante como os presidentes da república que o PSD ousou eleger olharam e trataram o partido que os gerou, contrariamente ao que se tem verificado da parte do PS. Basta olhar para o distanciamento frio e escrupuloso de Cavaco Silva e para a indiferença cínica de Marcelo de Sousa, de um lado e para a promiscua conivência partidária de Mário Soares e Jorge Sampaio, do outro. Acima de tudo, que é o mais grave, os partidos que tiveram responsabilidades de governança, nos quais se incluem o BE e o PCP dos tempos heroicos da geringonça, pecaram sistematicamente por privilegiar vantagens partidárias e afins, em detrimento do interesse nacional, alienando as reformas fundamentais como os ditadores alienam eleições. É por tudo isto, que Portugal está doente e com tendência para a doença se agravar. Os políticos, esses, continuam de boa saúde. Mas não se recomendam.

Henrique Pedro