Que é que faz correr Assunção Cristas ?

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Antiga Ministra, surge agora na pele de líder partidário com um dinamismo invejável. Seja o deslumbramento que o novo cargo lhe empresta seja a falta de autoconfiança, o que é um facto é que algo a faz apresentar propostas políticas em catadupa. E dessa exuberância legislativa destaquemos apenas duas propostas: uma prende-se com a baixa taxa de natalidade em Portugal e outra com a proteção aos idosos. A razão do destaque é que estas duas propostas geram largo consenso, são politicamente corretas, não tem ninguém contra e, por isso, causa estupefação que sendo assim, tão bem aceites, só agora a Dra Cristas tenha sido tocada por esses constrangimentos sociais. Claro que não é assim. A Dra Cristas conhece bem estas questões sociais e sabe ainda melhor o custo das política de intervenção nessas áreas. Daí que, durante quatro anos que esteve no Governo e apesar de contar com apoios maioritários na Assembleia, nunca aflorou a mínima preocupação com essas matérias. Achou agora chegada a hora de jogar o desconforto de muitos como trunfo político seguindo o raciocínio: ou PS e seus apoiantes votam contra e são acusados de insensibilidade social ou votam a favor e tem um embaraço orçamental. Resumindo: substantivamente as propostas não têm nada de inovador e politicamente … bem, politicamente, Maquiavel não faria melhor.
No que toca à taxa de natalidade e mesmo pondo de parte o oportunismo político, até a simples oportunidade do tema, vindo de quem vem, não me parece ter escolhido os melhores dias. Se é verdade que temos uma relação de 1,4 filhos por mulher, muito longe dos 2,1 necessários à reposição do efectivo, também é verdade que o ano passado, e depois de muitos anos, o número de nascimentos aumentou. E este ano parece ir pelo mesmo caminho. Convinha esperar para ver.
Por outro, a Dra Cristas foi ministra de um governo que pulverizou todos os recordes conhecidos no tocante ao desemprego. Para quê, então, fomentar a natalidade? Para quê sermos mais? Para aumentar ainda mais o desemprego?
Mas não é, só, por estas razões circunstanciais que estou contra a abordagem do tema mas mais pela própria abordagem. Só o facto de pensar que a oferta de umas regalias pecuniárias levam a alterar o conceito que temos do enquadramento familiar parece-me uma abordagem péssima. Uma coisa é ver essas benesses como avanços civilizacionais outra é vê-los como prémio à procriação. Ver num filho um projecto de vida ou vê-lo como um expediente para ganhar uns tostões é uma dicotomia pouco menos que nojenta. Tratar a Demografia, fenómeno sociológico de múltiplas variáveis, muitas delas desconhecidas, como se se tratasse de reacções mundanas sensíveis ao marketing promocional para sexo produtivo é coisa que me parece quase obscena.
Demografia, disciplina da Geografia Humana que estuda as dinâmicas populacionais em várias vertentes, foi, possivelmente, abordada pela 1ª vez por Thomas Malthus, economista do inicio do Século XIX. E foi-o por motivos opostos aos da Dra Cristas. Malthus tinha pavor à sobrepopulação. Isso levou-o a criar uma conjectura que resumo assim: se a quantidade de alimentos crescer em progressão aritmética e a população crescer em progressão geométrica um dia haverá colapso no abastecimento (como é sabido, os termos de uma progressão geométrica crescem muito mais rapidamente que os da progressão aritmética). Daí que tenha proposto uma série de medidas que iam desde a abstinência sexual até à penalização por filhos fora do casamento ou pelo n.º de filhos acima do razoável (?). Isto aliado às guerras, epidemias e catástrofes que, candidamente, dizia serem uma bênção do Céu para conter o avanço populacional (curiosamente também ele era contra o aborto). O tempo encarregou-se de reprovar a conjectura mas antes disso já a sociedade Inglesa tinha rejeitado liminarmente esta tentativa de controle. Também na China foi um fiasco a limitação a um filho por casal, apesar das sansões. Em contrapartida, depois de uma guerra verifica-se, sempre, uma explosão de nascimentos (baby boom) dispensando qualquer incentivo (há um filme que relata a vida de um cowboy que se apaixona por uma Índia e vai viver com ela para a sua tribo. Esta tribo envolve-se em guerra com uma tribo vizinha e sai dela fortemente castigada com a morte de muitos guerreiros. Passados uns meses e com o pó da guerra já assente, a Índia pergunta ao marido, o cowboy, se não se importa de fazer sexo com as amigas pois os maridos delas tinham morrido na guerra. ( desconcertante, não ?)). E também as filhas de Ló, depois de fugirem de Sodoma com o pai deixando lá a mãe em estátua de sal, embriagaram o pai e fizeram sexo com ele por pensarem serem as únicas no mundo. É isto o pulsar criativo que se prende com a defesa e manutenção da espécie cujas razões, muitas vezes, a razão desconhece e que não é manipulável excepto pela “mão que governa o Mundo”. Senão como explicar que em Portugal há menos de 50 anos em condições péssimas as famílias serem numerosas (taxa de natalidade de 20 por mil) e hoje com todas as condições melhoradas haja tão poucos nascimentos (8,3 por mil). Ou então o facto de países altamente desenvolvidos como o Japão e a Alemanha terem os mais baixas taxas de natalidade (menos de 8,2 por mil) e países como o Afeganistão tenha 40 por mil ou o Niger 100. Claro que, nestes 2 últimos, há as doenças, a mortalidade infantil e a guerra. E estas são as grandes condicionantes
É verdade que esta diminuição tão grande na natalidade provocou alterações na orgânica do País. Além dos constrangimentos provocados em sectores socio-profissionais, designadamente nos professores, acarretou a desertificação do meio rural. As aldeias, com a perda da Escola, única instituição que tinham depois de desaparecer o Padre, passaram a ser um grupo de poucas pessoas. Mas isto só pode surpreender os que não viram o que aconteceu em toda a Europa. Porque Portugal foi o último País da Europa onde isso aconteceu. E neste quadro pareceria fazer sentido a proposta da Dra. Cristas se a origem desta questão estivesse em causas Nacionais. Mas não, as causas são gerais. Repare-se que não há nenhum país Europeu que tenha uma taxa de fertilidade de 2,1 nascimentos por mulher apesar desta taxa ser ,só, de manutenção do efectivo. E todos os países desenvolvidos do Mundo seguem este figurino. Além disso, se, inexplicavelmente, a proposta tivesse sucesso, o ganho populacional nunca reverteria a favor das aldeias. , Para a aldeia nunca mais, é um pensamento por todos interiorizado. Sendo assim para quê sermos mais? Os políticos devem preocupar-se não com a quantidade de governados mas sim com a sua qualidade de vida: condições de trabalho, condições de vida, acesso às coisas básicas e também àquelas que são o “sal da terra”. Começar a pensar menos em Produto Interno Bruto e mais em Felicidade Interna Bruta.
Natalidade!? Querendo, acontece sem querer.

Por Manuel Vaz Pires