Portugal a opinar

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Meus caros, como têm passado? A castanha a aproximar-se, uma época especial para o Nordeste. Força! Aproveito o resultado das eleições para opinar Portugal. Opinar a partir da Ásia. Opinar de fora. Portugal país de opiniões e opinadores sobre tudo e todas as coisas. As nossas figuras, as nossas referências, os nossos líderes não são empresários, construtores ou investidores. Não são médicos, advogados ou cientistas (pelo menos enquanto tal) nem ninguém particularmente destacável da classe operária. As nossas figuras são pessoas que discorrem opiniões, que sobre qualquer tema têm muito a dizer, sempre prontos a opinar, nobre “bela-arte” portuguesa. Dos partidos que elegeram deputados pela primeira vez a maior parte destes são famigerados opinadores e ninguém sabe dizer ou medir bem o que fazem para além disso. O nosso Exmº Presidente da República conquistou o cargo, principalmente, pelo lugar de opinador-mor do reino que ocupou durante anos a fio. Em todas as áreas, algumas citadas anteriormente, mas também músicos, desportistas, humoristas, etc., muitos são mais conhecidos pela qualidade ou quantidade enquanto opinadores do que propriamente pela sua profissão original. A mestria em desempenhar este papel é um passo fundamental para diversos voos, como se pode verificar cada vez mais claramente através dos resultados eleitorais. Até mesmo aquele clássico de escalada política sob a asa de padrinhos, sem nunca se ter desempenhado nenhuma outra função digna de registo, tipo Passos Coelho, está em desuso. Hoje em dia a opinião pura espalhada pelas redes sociais e sobretudo se alicerçada num assento fixo na televisão (jornal ou rádio) para potenciar o alcance público é o melhor dos trampolins, mais próximo, interpessoal e independente. Lembro-me de estar há uns anos em Guangzhou num mega-restaurante de quatro andares que tinha começado por ser uma tasca de um par de mesas e após 20 anos se tornara um dos melhores restaurantes da cidade. O dono tinha sido recentemente chamado para cumprir um cargo de supervisão ou direcção dessa província (80 milhoes de pessoas) na área da restauração. Os japoneses presentes adiantaram que esse tipo de procedimentos também são comuns no Japão. Primeiro as pessoas destacam-se na sua profissão e depois são chamadas a cumprir cargos directivos relacionados com a sua área. Em Portugal, salvo parcas excepções, a grande função a desempenhar para almejar cargos de poder é essencialmente opinar, falar, escrever. Pouco mais é exigível. Aliás, que competências conhecemos dos nossos políticos para além de os ouvirmos falar? Neste âmbito pode-se perfeitamente chegar a Ministro da Agricultura sem saber nada por aí além do assunto, basta saber semear, regar e adubar opiniões. Lembro-me de há uns tempos ouvir um dos grandes opinadores deste país, Daniel Oliveira, repetir várias vezes num debate “pois, eu já escrevi sobre isso”, eu “estou farto de escrever sobre isso”. Como se escrever fosse sequer mexer uma palha para tratar de um assunto. O que na verdade é só carregar nas teclas de um computador ou abrir a boca à frente de uma câmara, em Portugal já é resolver e fazer muito. Pelo menos tem muto mais valor e reconhecimento. Nós portugueses preferimos o falar ou escrever ao agir ou resolver: estamos sempre com o “vês, eu disse-te”, “eu já sabia que ia ser assim”, “eu já te tinha dito isso”. Somos do opinar como se as coisas se resolvessem assim, como se as coisas fossem de facto mudar substancialmente apenas por isso. Estamos sempre todos aqui, deste lado, na expectativa de que as coisas aconteçam e de que alguém faça alguma coisa para logo desatar a escrever ou a falar disso. Dizemos muitas mais vezes “este fala muito bem”, “aquele é que escreve bem!”, do que este é um excelente ou íntegro profissional. Depois muitos desses opinadores políticos, ainda enchem o peito para dizer coisas como o ordenado mínimo precisa de subir mais umas centenas de euros e outras coisas tais infladas pelas emoções das grandes opiniões, mas confragedoramente reveladoras de desconhecimento da realidade do país e do mundo. Experimentem sair do país para longe das Uniões Europeias e tentem responder às perguntas “o que é que vocês produzem? O que é que sustenta a vossa economia?”. Ainda no outro dia na Malásia (petróleo, gás, segundo maior produtor mundial de óleo de palma, borracha, etc.) me colocaram a questão e as respostas são sempre pálidas. “Não, também não temos marca de carros própria”. Nada. Na verdade não produzimos nada que nos permita o sustento por nós mesmos. Temos um papá maravilhoso que se chama União Europeia e que além da mesada nos dá dinheiro para tudo o que precisemos desde que nos portemos bem. Somos filhos e arautos da liberdade, mas é difícil explicar aos asiáticos como connseguimos ser felizes assim, na mão dos outros, e que liberdade é esta absolutamente dependente de terceiros. Nunca produzimos nada e desde sempre, mesmo nos idos tempos dos descobrimentos, tivemos os nossos melhores recursos nas mãos dos outros ou à sua mercê. Continuamos a não produzir nada mas queremos tudo. De entre as nossas palpáveis e intangíveis riquezas, sobressaem os opinadores. Pela opinião, lutar, lutar. Em cada esquina um opinador, terra da opinião. Povo que lavas no rio a roupa suja das tuas opiniões. Acima de tudo orgulhosamente opinadores, dos quais se destacam os mais insignes, esses senhores e senhoras que mudam o mundo à base de palavras escritas e faladas que o vento não leva e que tornam os portugueses mais felizes, mais confiantes (também mais opinadores) e fazem diariamente de Portugal um país indubitável e teoricamente melhor.

 

* Leitor de Português

Universidade de Sun Yat-sen Guangdong – China

Manuel João Pires