De acordos está o mundo farto e do seu incumprimento ainda mais. Felizmente para o país e surpresa dos céticos, que os acordos de esquerda se mantêm em vigor e, quando se previa que a engrenagem da geringonça deixasse de funcionar, ganha novo impulso e há orçamento aprovado para 2017. Resultado da política de bastidores ou de intensas negociações nunca se saberá, a única certeza é a capacidade negocial do primeiro-ministro e da sua equipa, aliada a uma coerência e frontalidade que parece caraterizar os parceiros.
Tendo-se estranhado como PCP e BE optaram em não ir para o governo, começa agora a ser mais claro que terão compreendido não ser ainda este o seu tempo e o que aconteceu à direita, em 2013, mostra que decisões “irrevogáveis” são o resultado de uma série de frustrações e pactos falhados ao longo de um tempo de coabitação governativa. Assim é melhor prevenir do que remediar e ficar pelos consensos de incidência parlamentar. O Boletim Económico do Banco de Portugal, referente a outubro de 2016, mantém uma perspetiva otimista do crescimento do PIB e uma relativa moderação no que respeita aos índices de empregabilidade nacional em linha com o que se projeta para a zona euro. Seja como for, os gráficos aproximam-se mais dos de Centeno, afastam-se dos de Cristas, e a a dissonância é dada pelo Conselho de Finanças Públicas que se tem pautado por demonstrar que o crescimento não passará tanto pelo consumo privado mas pelo investimento e exportações.
Tudo estaria bem, pelo que a comparação do “Parece Deus com os seus Anjos” faria todo o sentido, não fosse o estranho caso de alguns anjos que para ter asas, tiveram de perder a cabeça. Dito de outro modo, a trípode que sustenta o governo, desde sempre, baseou a sua ação em três eixos fundamentais - educação, saúde e emprego, mas, agora, foi largando tais valores e ainda não se conhece pelo que serão substituídos ou se serão substituídos, não ficando a este nível um buraco maior do que o das contas públicas. As evidências estão no próprio OE de 2017: na educação há um corte de 281 M€ destinados aos recursos humanos no ensino básico e secundário, o que levou a Fenprof a exigir explicações ao governo, dado contrariar tudo o que até aqui foi anunciado em termos de vinculação de professores, contratação de assistentes operacionais e reposição de salários. Perante isto, surgiram artigos a defender o orçamento e a rubrica da educação, acusando os supostos delatores de desinformação e estarem ao serviço da direita. De facto, comparando as propostas de orçamento para a educação, verifica-se que em 2015, era de 5540 milhões de euros, em 2016 passa para 5843 e em 2017 será de 6023. Não se referirá que a estimativa de execução, que nos dois primeiros anos, se fixou em 5925 M€ e 6122 M€ respetivamente, já que a proposta de orçamento parece ser uma coisa e a estimativa outra.
Mas o problema não são as contas, é a realidade das escolas. Se às turmas de 30 ou mais alunos, associarmos professores com horários semanais de 22 ou 25 horas, com aulas de manhã, à tarde e à noite – alguns a terminar às 23.30 de sexta-feira, mais as aulas de apoio pedagógico ao abrigo do artigo 79º do Estatuto da Carreira Docente, consegue reduzir-se os custos, cumprir a legislação, implementar planos de melhoria e até considerar que houve um aumento no orçamento, ao contrário do tal corte de 1,6%. Se juntarmos a isto, o facto de haver escolas por este país que, à hora dos almoços, retiram os funcionários dos corredores das salas de aula e os concentram nas cantinas, com todos os problemas de segurança e de qualidade de serviço, é possível dar a entender que houve efetivamente um aumento de verba que irá cobrir as despesas porque o corte nos recursos humanos já foi feito, ajeitou-se o volume de formação e espera-se que os programas operacionais façam o resto.
Uma proposta de orçamento é, efetivamente, uma intenção política que privilegia umas áreas em detrimento de outras; a execução orçamental também reflete a gestão do orçamento ao longo do ano. É verdade que propostas devem ser comparadas com propostas, e execuções com execuções. No entanto, e perante os que são como Jesus Cristo que não nada sabia de finanças, como dizia Pessoa, não falem de dotações provisionais que se vão incorporando, porque, como diz o povo: “Quem torto nasce…”. Plenamente de acordo que se regresse às origens e sem falácias nem silogismos hipotéticos, que a educação volte a figurar nos paradigmas de quem nunca a deveria ter abandonado.
PLENAMENTE DE ACORDO
Raúl Gomes