Os médicos e a Ministra

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É longa e brilhante a lista de médicos que apesar de todas as dificuldades materiais e das inclemências dos nove meses de inverno e três de inferno, dedicaram empenho, estudo, esforços, fazenda e fruição pessoal às populações em geral e às mais carentes em particular. Ainda agora quando evocamos apelidos de discípulos de Hipócrates: Abreu, Chiotte, Flores, Jota, L. Montanha, Moreira Pires, Moreno, Torres, a avalanche de imagens a recordar a sua constância na ajuda das criaturas das aldeias quais actrizes do fundamental filme de Luís Buñhel, Las Hurdes na qual a comunidade miserável da mais extrema miséria foi fixada para a posteridade embora o ditador por la gracia de Dios, tudo tivesse feito para lançar o precioso testemunho no alçapão da obscuridade. A aldeia das Hurdes tinha inúmeras réplicas nos concelhos nordestinos, contudo a maioria dos médicos ultrapassavam em dedicação ao povo patuleia (pata ao léu ou de socos) a figura de João Semana bonacheirão risonho. As coisas começaram a mudar após a inauguração do belíssimo Hospital projecto do arquitecto Viana de Lima. Surgiram mais médicos, novas valências, aumentaram-se os quadros de pessoal, no entanto, os filhos de Esculápio (Deus da Medicina) raramente conseguem atenção desinteressada, merecimento ajustado às suas responsabilidades e, mesmo no tocante a estatuto passaram à condição de operários especializados principalmente nos hospitais. Sem surpresa ou estupor de espanto a Ministra Temido adora dar ênfase ao apelido num reco-reco ora intimidatório, ora lamuriento, a gradação da voz vacila e vergasta conforme lhe favoreça o desempenho. Os dois últimos episódios estalejam como foguetório no arraial em honra do Senhor São Pedro orago da crescentemente minguada aldeia de Lagarelhos. Senão vejamos: Como quem quer apalpar o pulso aos doentes o Ministério da Saúde deixou (vomitou) a troglodita intenção dos médicos serem avaliados, e penalizados, caso as suas pacientes interrompessem a gestação das gravidezes ou as ajudassem na infertilidade. Ante o imenso clamor das descendentes de Lisístrata repudiando a voracidade selvagem da pretensão urdida no Ministério a Doutora Temido estremeceu salmodiando pedidos de desculpa com ar contristado, porém a contrição deu lugar a mandíbula cerrada como está a encarar de modo displicente o enorme aumento de infectados, internados e, óbitos, consequência do reavivar da pandemia, chamando à pedra os pacientes, exigindo-lhe o grosso dos cuidados a terem, minimizando a estatística, assegurando estar tudo controlado. A saúde e segurança são elementos estruturantes da sociedade a par da sonolenta e preguiçosa justiça, no entanto, a saúde é primacial na escala de valores de todos os cidadãos, daí o mal estar existente no sector, os sindicatos e as ordens apontam as falhas, as faltas, as fraquezas, a senhora ministra responde conforme lhe dá jeito, os vírus andam soltos quais cães perdidos sem ou com coleira a morderem crianças e demais pessoas, os micróbios assustam e matam, a DGS navega num mar encapelado, se o Troula de Vila Nova ainda estivesse entre nós acredito que dissesse de sua justiça sobre a varíola dos macacos pois no seu nariz os permanentes lampiões acolhia muitos símios que às vezes expulsava recorrendo ao lenço de cinco pontas, entenda-se os cinco dedos. O médico duriense Mário Monteiro Pereira, autor de vários livros relativos à saúde pública, aconselhou-me a seguir os preceitos dos médicos mente sã em corpo são. O médico atento observador da vida social caso volvesse neste tempo escorregadio de Tus e Mus ao sabor dos modismos não tardaria a verificar a degradação das mentes dado o caos que se vive nas urgências hospitalares não só nos dias de maior procura dos públicos, também no ram-ram diário recheado de maldições, queixumes e suspiros porque nas casas onde não hã pão… todos resmungam e todos têm razão. O livro O Médico e o Monstro, numa versão de Alfred Jarry, seria O Médico e a Monstra! PS. Para enfrentar as iras e ataques de desculpas farisaicas da Senhora da tutela sanitária aconselho vivamente a leitura de Rei- Ubu da autoria do citado Alfred Jarry.

Armando Fernandes