Meus caros, como têm passado? Hoje venho falar-vos de um “curioso personagem”, mas não é Jeremias, o fora-da-lei. Trata-se do ou dos cidónios. Ora bem, os cidónios são um contraponto dos campónios. Sobre estes últimos muito se caricatura, toda a gente conhece a figura, cai sempre bem no imaginário galhofeiro de qualquer país. Os primeiros, os cidónios, são espécimes absolutamente convencidos da sua condição superior e distintiva pelo simples e pasmável facto de terem nascido ou sido criados numa cidade, arrabaldes incluídos. Aliás, certa vez ouvi da boca de uma cidónia assumida “Ah e tal para mim é diferente porque eu sou mêmo de Lisboa, não sou como muitos que andam por aí e vêm dos arredores…” (?!) Tendo em conta que Lisboa não é a Cidade do México em que alguém depois de 4h no trânsito para atravessar a cidade chega a uma ponta e está em Castro Verde ou chega à outra e está em Aveiro… E mesmo não tendo em conta o disposto anteriormente, não entendo que diferenças abissais possam ter duas pessoas que nasceram nestes espaços geográfica e socioculturalmente tão longínquos e alienados. Mas, bem entendido, esta afirmação não tem nada de ridículo. Nem pura estupidez. Talvez uma dose de vaidade, cartão amarelo-alaranjado a roçar a bazófia cidónia, sim senhor, mas tudo dentro da legalidade do conceito. E este episódio passou-se em Macau, revelador de que ser cidónio é uma condição e uma presunção que se leva na bagagem pela vida fora e além-fronteiras, como um par de postas de bacalhau ou aquela adorada e rafada camisola velha que nunca mais vamos chegar a usar. Todas as cidades têm os seus cidónios, independentemente da dimensão, mesmo nas pequenas cidades do interior se encontram cidónios com uma perspectiva ligeiramente superior em relação aos habitantes das vilas e aldeias limítrofes. Contudo, para os cidónios das cidades do litoral os cidónios do interior não passam de campónios, embora um nadinha mais apresentáveis. A respeito destas particularidades dos tipos de cidónios trata-se de diferentes características e tipologias entre os mesmos, aquilo a que os académicos e estudiosos da área definem como contextos microcidónios. Os cidónios por norma desconhecem os territórios da área que está para lá do que eles próprios definem como cidade, e se por ventura se aventuram a dela sair, fazem-no com a certeza cidónia de quem começa o jogo sempre a ganhar por 3-0. No contacto com o outro, leia-se o não-cidónio, a goleada muda aos 5 e acaba aos 10. O cidónio só treme com o citadino. Perante este último põe sempre o autocarro à frente da baliza para ver se não perde por muitos. Por isso é espécime a evitar. Com todos os outros o cidónio é sempre a aviar, está ganho, não é preciso mexer uma palha, a camisola de cidónio vence jogos sozinha. É esta a principal condição do cidónio, única e simplesmente ser cidónio é vantagem, sinal mais. Assim como o verdadeiro campónio, o cidónio tem um certo défice cultural/formativo e é precisamente desse vazio que nasce a fonte cidónia (e campónia). A diferença é que o cidónio acha que essa insuficiência fica perfeitamente colmatada pelo facto de ser… cidónio. O cidónio não tenta, talvez não consiga, compreender o outro, o infeliz, às vezes aparentemente conformado e até satisfeito com a sua condição de não-cidónio, nem citadino, o pobre coitado… O cidónio por norma não tem uma referência, um espaço que sinta como seu onde possa sentir refúgio ou sentir-se bem vindo, não sabe ou nunca soube o que isso é. Muitas vezes o cidónio não tem nada, sequer onde cair morto. Inclusive não poucas vezes o cidónio vem de lugares tristes, deslavados com pouco ou nada de cidade. Mas não interessa como nem de onde. Todos invejam a sua sorte, é natural. Ser cidónio é ser mais alto, é ser maior do que os homens. Estive no Porto, muito menos tempo do que gostaria, e soube pela boca de gente amiga da minha geração que cidónios portuenses estranham vincada e cidoniamente tradições, vivências e hábitos culturais trasmontanos (inclusive enchidos como o botelo). Alguns até passaram a acreditar que as abóboras vêm de árvores às quais se põem estacas para não vergarem ao seu peso. Como é possível ser-se tão cidónio? Em pleno séc. XXI e dentro de um espaço TÃO pequeno?! Eu que vivo numa cidade com quase 5 milhões (M) de pessoas, a 100km de uma com 15M numa província com 80M e num país com 1.400.000.000M, onde os do Norte são mais altos que os do Sul, há oito diferentes tipos de gastronomias, gente que conheço demora 3 ou 4 dias de comboio para chegar à terra natal, depois de um longo etcecetera, pergunto: mas que raio de diferenças culturais, de mundos desconhecidos e inexplorados, de criaturas monstruosas e aterradoras, e de mares inavegáveis e intransponíveis poderão existir para lá de uma hora ou duas de boas auto-estradas?! Cidónios de Portugal, francamente…