Portugal é no conjunto dos países da União Europeia, segundo o 7.º Relatório da Coesão, publicado no passado mês de outubro pela Comissão Europeia, um dos que regista maiores desigualdades territoriais e sociais. O país continental, em termos de desenvolvimento inclina-se para a frente atlântica e para sul, convergindo ambos os planos em Lisboa, que centraliza cada vez mais a população, a economia, a administração pública, o poder político, agravando-se as assimetrias no território. Apesar disso, a Região Norte no período de 2010 a 1015, foi a única região NUT II da Península Ibérica com crescimento positivo. Também a nível social, a situação não é positiva, embora se registem algumas melhorias. A diferença da média de rendimento entre os 20% da população mais rica e os 20% da população mais pobre é de cerca de 1 para 6, uma das mais elevadas na EU.
Nos últimos 15 anos Portugal não convergiu com a média dos países da EU, divergiu ligeiramente enquanto, países mais pobres do leste europeu tem estado a crescer continuadamente, convergindo com a média da EU, ficando Portugal em termos comparativos mais afastado de um processo de convergência. Desde há trinta anos que Portugal recebe da EU, uma média de 9 milhões de euros de por dia, ajudas que não tem sido suficientes, em parte por razões internas, entre elas o fraco ordenamento do território e uma visão centralista para o país, sem comparação na maioria dos estados desenvolvidos da EU, tendo como consequência direta o intenso despovoamento e empobrecimento do interior do País.
Nas últimas quatro décadas, incentivou-se o abandono dos campos, a economia e atividades rurais foram desvalorizadas em termos económicos e sociais, em particular a agricultura familiar, considerada como residual e economicamente inviável. As políticas públicas concentraram os apoios ao investimento e à produção nas grandes explorações agrícolas, que representam 3%, enquanto as explorações agrícolas familiares representam 97%, do número total de explorações, que se concentram nas Beiras, no Minho e em Trás-os-Montes.
É nestas regiões que ocorre um intenso despovoamento e envelhecimento da população. Ao desvalorizar a função social e económica dos agricultores, prejudicou-se o valor de outras funções fundamentais associadas à presença e atividade humana no território, como a preservação e valorização dos ecossistemas naturais, da biodiversidade essencial à humanidade, dos serviços ambientais prestados à comunidade, não quantificados na função económica, mas que representam um importante benefício social, função nunca compensada aos agricultores, mas de que todos beneficiamos, como a qualidade da água, do ar, a preservação da paisagem e de outros bens patrimoniais, legado de gerações, que representam parte importante da identidade e cultura do povo português.
Muito do que tem sido insistentemente dito sobre os problemas da interioridade não tem sido ouvido pelos poderes públicos instalados em Lisboa, a não ser nas campanhas eleitorais, logo esquecido, também a imprensa nacional pouco tempo tem dedicado aos problemas do interior. Situações de fundamentalismo ambiental, como os planos de áreas protegidas (ex. do Parque Natural de Montesinho e Douro Internacional), quem não protegeram nem desenvolviam, pelo contrário, conduziram de forma mais intensa ao empobrecimento e abandono de atividades rurais e consequente despovoamento das aldeias que integram essas áreas, são exemplo de orientações erradas. Lembro os inimagináveis obstáculos levantados durante 14 anos à construção da barragem de Veiguinhas destinada a abastecimento de água para consumo humano da cidade de Bragança. Este ano, com 95% do país em situação de seca extrema, se a sua construção não tivesse sido autorizada no ano de 2012, este ano em Bragança teria ocorrido a rotura no abastecimento, com danos de elevadíssimo impacto social e económico. É só mais um exemplo de como se gastam recursos e tempo para tentar evitar a regressão imposta por políticas erradas, decididas longe do interesse das pessoas e dos territórios, o que nem sempre é possível, e muito disso é o resultado de quase tudo ser decidido em Lisboa.
A realidade negativa da interioridade, que algumas teses tentam desvalorizar, entrou este ano pela casa dentro de todos os portugueses, em resultado dos intensos fogos florestais que no inicio do verão e inicio do outono devastaram parte do país e da seca extrema que está a atingir o país, com forte impacto negativo no meio rural. Ambas as situações acarretam graves danos económicos, humanos e ambientais, enfraquecendo ainda mais os territórios do Interior, as pessoas e atividades económicas, com consequências negativas na coesão territorial.
O mapa relativo à alteração da população ao nível NUT III, no período 2005-2015, publicado no 7.º Relatório da Coesão da EU, evidência de forma muito clara a fratura existente em Portugal, com mais de 2/3 do território em forte perda populacional, situação que vem de décadas anteriores, evidenciando que o Interior está cada dia mais frágil, com menos pessoas. As regiões fronteiriças espanholas, com as suas delebilidades não foram tão abandonadas com as portuguesas. Portugal deixou parte do seu território esquecido, as pessoas ficaram em parte ignorados, aí permanecem os que por opção, ou falta de alternativa, persistem em habitar nas suas pequenas aldeias que compõem e dão identidade ao território do Interior. O estado alheou-se em parte de funções de soberania, deixou que a situação em termos de ordenamento e desenvolvimento do território se tivesse aproximado de uma situação de fratura.
A intensidade e frequência dos fogos florestais que este ano devastou o país, não pode dissociar-se das alterações climáticas, mas é certo que não poderá deixar de estar associado ao fraco ordenamento do território, ao despovoamento do Interior do país e abandono das atividades agrícolas. Durante a minha infância e juventude, as atividades agrícolas, pastoril e silvícola garantiam uma presença numerosa de pessoas no meio rural, asseguravam a valorização dos recursos naturais e sustento para as famílias. Muitas dessas atividades desapareceram, a emigração para as cidades e a perda de rendimento associado às politicas de incentivo ao abandono da atividade levaram a maioria das propriedades deixassem de ser cultivada. Hoje, a maioria das pessoas que ficaram nas aldeias são idosas, em parte dependentes de apoios sociais, por outro as tendências demográficas no país não ajudam a perspetivar uma inversão desta realidade, a não ser que as políticas públicas mudem de forma radical.
É preciso repensar o ordenamento do território, reequilibrar o sistema urbano do país, olhar para o Interior com outros olhos e políticas, assumir a interioridade como estatuto jurídico, obrigando a que cada decisão política tomada seja avaliada sob o ponto de vista do impacto para a coesão territorial, assumir descentralizar e deslocalizar serviços nacionais relevantes da administração pública, para cidades do Interior, criar condições fiscais fortes de incentivo ao investimento privado e á fixação de mão-de-obra qualificada no Interior, garantir o desenvolvimento dos centros de conhecimento e de inovação nas instituições de ensino superior do Interior, assegurar o acesso às redes de informação, assumir que os territórios do Interior serão parte ativa nas políticas de coesão, da competitividade e do crescimento global da economia do país, nomeadamente no setor primário e que a relação entre territórios fronteiriços pode ser feita de forma mais estratégica e temática. É preciso devolver a esperança ao Interior, reestabelecer a equidade e a justiça social.
É possível olhar em frente, encarar o futuro e inverter a realidade do abandono e despovoamento do Interior, com novas políticas que não podem omitir os desafios das alterações climáticas, da globalização, do crescimento da população do planeta e da pressão sobre os recursos naturais. As políticas para o Interior não podem ser vistas na perspetiva do passado, sim numa perspetiva de mudança de paradigma de desenvolvimento, centrado no crescimento verde, no conhecimento na inovação. Olhar para o futuro significa fazer agora, de forma diferente, o que não tem sido bem feito.
É preciso fazer ordenamento e gestão adequada do território, das áreas agrícolas e florestais, aproveitar os recursos naturais, com projetos bem estruturados e sustentáveis, apoiados no conhecimento, no saber fazer, na inovação, nas tecnologias, tendo por base planeamento a nível nacional, regional e local. Fazer planos de investimento de médio e longo prazo, fazer reformas necessárias, infraestruturas adequadas, seja de armazenamento de água, de transformação dos produtos, desenvolver estruturas associativas e cooperativas. Dar prioridade ao investimento na agricultura, mobilizar apoios comunitários maioritariamente para esse objetivo, aplicados regionalmente de acordo com as prioridades, correspondentes ao cruzamento das potencialidades naturais e opções de política regional e sub-regional. Corrigir a política, ordenar o território, modernizar a agricultura familiar, reabilitando-a económica e socialmente.
O ordenamento da floresta deve incluir a aposta na diversificação e utilização de espécies como o carvalho, o sobreiro, o castanheiro, e outras espécies que permitam em cada parte do território fazer de forma compatível formações menos combustíveis e a criação de áreas para contrariar a propagação de incêndios. Para que os bons princípios de ordenamento do território sejam aplicados, deve existir uma estratégia florestal nacional, enquadrada por planos regionais de ordenamento florestal e a nível local transferidos para os planos diretores municipais, garantindo eficácia na sua aplicação. Os programas específicos de florestação com espécies de crescimento lento tem que ser acompanhados por programas de compensação financeira aos produtores, por perda de rendimento, pelos anos necessários, só assim se pode assegurar que os cidadãos que cuidam da agricultura e da floresta, na perspetiva das gerações futuras, o podem fazer com rendimento que lhes permita uma vida digna.
Por outro, tanto na política florestal como agrícola, são necessárias políticas públicas que deem prioridade ao uso do solo em detrimento do abandono, promovendo a mobilização produtiva das terras abandonadas, políticas que fomentem uma adequada gestão e sustentabilidade económica e ambiental dos projetos, um programa intenso de investimento em infraestruturas de apoio ao ordenamento do território na perspetiva agrícola e florestal. O ordenamento do território exige o seu povoamento, que as pessoas que os habitam obtenham rendimento compatível para uma vida digna, que acedem a bens e serviços com qualidade e equidade, que os próprios e os seus bens estão protegidos, que as politicas para o território se façam com os seus atores mais próximos, designadamente com as pessoas que o habitam, proprietários e utilizadores dos bens. Não é possível construir um futuro melhor para o Interior se tudo se continuar a concentrar em Lisboa. É o tempo de juntar competências, conhecimento e vontades políticas para ajudar a construir um futuro melhor para o mundo rural e para o país, enfrentando o grave problema das assimetrias que fraturam o País.
Jorge Nunes