O que os números não dizem.

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A última disputa para a Presidência da República foi uma sensaboria. Foi a crónica de uma eleição anunciada. Sem competidores à altura, não me refiro ao perfil dos candidatos mas à fragilidade dos seus apoios, fizeram de Marcelo Rebelo de Sousa, um candidato perfeitamente imbatível. Se da primeira vez tinha conseguido 52%, agora com o apoio dos mesmos Partidos mais o capital político adquirido ao longo do mandato, que me pareceu bastante conseguido, mais o apoio declarado do líder do maior partido fizeram com que a corrida eleitoral, para Marcelo, fosse um passeio matinal. Teve, de facto, muitos votos talvez demais. Que não lhe aconteça como aconteceu aquela revista cujo nome já me não recorda (“trampas del olvido” Mega F.) mas que era frequentemente lembrada por Sartre como o caso “mais paradoxal do capitalismo”. Faliu por excesso de tiragem. Passando em revista os candidatos direi que João Ferreira teve uma péssima prestação. Só conseguiu segurar os votos do anterior candidato comunista, um tal Edgar Silva, que parecia não ter, ainda, saído de Peniche. Marisa Matias não é eternamente jovem. A mesma cara de há cinco anos com o mesmo discurso também de há cinco anos fizeram um “dejá vu” que não impressionou favoravelmente os “bloquistas”. Devia ter seguido o conselho da sabedoria popular: “nunca se volta onde já se foi feliz”. “Tino de Rans” veio, mais uma vez fazer prova de vida. Terra a terra como sempre, o que o torna simpático, já tem, de onde em onde, assomos de elevação discursiva o que o coloca muitas vezes “entre o forno e o micro-ondas”. Teve votos de simpatia. Ana Gomes surpreendeu pela forma como se candidatou. Considerada “esquerdista” dentro do PS é, no entanto, Francisco Assis, um dos mais conservadores socialistas, que propôs e alavancou a sua candidatura. Assis que nada tem a ver nem com a forma nem com o conteúdo desta candidatura, usou-a como arma de arremesso contra Costa e Ana Gomes deixou-se instrumentalizar. Ficou-se pelos 12%. Se descontar os mais ou menos 4% que “roubou” a Marisa Matias ficam 8% que são votos socialistas contra Costa. Não sei se fez bem. Tiago Mayan foi o candidato apoiado pelo partido Liberal. Este partido, novo no panorama político do País parece estar a captar alguma adesão. Partido herdeiro político dos Fisiocratas de sec. XVIII que deixaram para a posteridade o jargão “laisser faire laisser passé, que le monde va de lui mème” cuja tradução para os tempos de hoje diz que o Estado não pode ter qualquer intervenção no mundo económico, porque “o mundo vai por si só”. Confiam na “mão invisível” que compõe o mundo que é o mesmo que dizer, hoje, que os mercados se auto regulam. Mas a crise do Lemon Brothers em 2008 veio provar que os mercados não se regulam por si mesmos. Por outro lado, a crise pandémica veio mostrar-nos um partido Liberal todo reivindicativo no sentido de exigir do Estado ajudas, moratórias, isenções, subsídios, enfim, a intervenção do Estado sob várias formas. Em que ficamos? O Estado intervem ou não? Ou só quando dá jeito. André Ventura foi candidato apoiado pelo Chega, partido novo que está a conseguir óptimos resultados. De André Ventura não sabia nada e a curiosidade levou-me a ver uma entrevista com Sousa Tavares e o debate com Marcelo Rebelo de Sousa. Sousa Tavares, entre o regozijo e a curiosidade, entrou a matar e questionou-o sobre as declarações em entrevista na qual anunciava o corte radical do número de funcionários públicos caso fosse eleito Presidente da República. Sousa Tavares perguntou, então, se o corte seria feito com base nos despedimentos. (claro que sim, mas em campanha eleitoral isso não se pode dizer) Ventura disse que não e que os supranumerários seriam alocados a outros serviços. Sousa Tavares desiludido retorquiu: assim ficam os mesmos! (note-se que neste tema da função pública Sousa Tavares e André Ventura não são muito diferentes.) No debate com Marcelo, Ventura apontando todos os males de Portugal ao sistema político questionava, até, porque tinha de ser assim, semi presidencialista. Marcelo, professoral e até porque é corresponsável pela Constituição, lá explicou que a experiência Portuguesa desaconselha o Parlamentarismo pelos péssimos resultados que experimentamos na 1ª República com o triste record de 45 governos em 16 anos; e que Presidencialismo, depois de 48 anos de ditadura, era sistema do qual ninguém queria ouvir falar. Bom, foram demasiadas gafes em tão pouco tempo. Há quem só fale bem quando está sozinho. André Ventura, sem ideologia definida, faz de temas fracturantes o expediente táctico para captação de simpatizantes. Diz-se contra o sistema duma forma tão abrangente que ainda ninguém percebeu bem o que quer dizer mas todos ficamos perplexos com a sua “performance” parlamentar ao votar, numa tarde, o mesmo diploma três vezes cada vez de sua forma: a favor, contra e abstenção. Além disso também não se percebe muito bem que esteja contra o sistema e abrace logo a primeira oportunidade de estar junto do poder como fez nos Açores. Se isto é estar contra o sistema…? É contra o aborto e a eutanásia invocando o argumento estafado da inviolabilidade da vida humana. Mas é a favor da pena de morte. É contra os imigrantes esquecendo-se que somos um país de emigrantes e esquecendo-se também que foi com a emigração que se fizeram países como a França e a Alemanha. É contra o Rendimento Social de Inserção. Sei que alguns destinatários deste rendimento se põem a jeito às críticas mas não é por aí que se pode derrotar todo um projeto social cheio de espírito solidário num contexto de dignidade humana. Mas não é com estes valores que quero convencer André Ventura. Para ele os argumentos têm de ser pragmáticos. Assim: partindo do princípio que hoje ninguém tem “estomago” para deixar morrer à fome um vizinho a parir daí tanto me dá que seja a Caritas a resolver o problema como a Cruz Vermelha ou a Isabel Jonet ou o Padre Miguel ou NÓS, individualmente, com os nossos cêntimos ao arrumador ou à pobre que pede à porta da Sé. Somos sempre nós porque quer a Caritas ou a Cruz Vermelha etc funcionam com donativos particulares (somos nós) mais dinheiro do Estado (somos nós). Somos sempre nós de forma individual ou institucional. Eu prefiro a forma institucional porque a esmola é sempre uma vergonha para os dois. É pela castração dos pedófilos o que não é inédito. Com efeito houve um Rei português, D.Pedro I (o justiceiro, vejam só) que protagonizou aquele romance com Inês de Castro e outro com Afonso Madeira. Mas Afonso Madeira tomou- -se de amores por uma Senhora casada e então “mais por ciúme que por justiça”, diz Fernão Lopes, o cronista,” D. Pedro mandou-lhe cortar aquele membro que os homens têm em maior apreço”. Foi talvez aqui que se inspirou André Ventura mas, francamente, esta história só tem 700 anos. Logo a matriz desse novíssimo Código Penal, que será porventura a sua Lei Mental, deve ser o Código de Hamurabi de 1750 AC no qual as penas eram proporcionais ao dano causado. Era o princípio de Talião que ficou conhecido sumariamente e para a posteridade por “olho por olho, dente por dente”. No caso em apreço dir-se-ía… não digo. Esta fúria justicialista, que tomou conta de André Ventura, não contempla as mulheres violadas nem me parece que alguma vez esse tema lhe mereça atenção. Vou contar uma história que ilustra esta minha convicção. É assim: em 7/7/2016 nas festas de S. Fermin em Pamplona, cinco indivíduos espanhois de um grupo conhecido por “La Manada” violaram repetidamente uma jovem de 18 anos. Orgulhosos com o feito filmaram e colocaram nas redes sociais. Foram julgados e condenados. Fernando Serrano, líder do Vox na Andaluzia (como se sabe o Vox é o partido Espanhol congénere do Chega), quando soube das condenações reagiu indignado e teve o seguinte desabafo: “doravante o único sexo seguro é o da prostituição porque o barato sai caro.” Não há dúvida que eles são do tempo em que o orgasmo feminino era um luxo biológico. Hoje é a coroa de glória da nova masculinidade.

Manuel Vaz Pires