Dentro de alguns dias, os primeiros jogos do europeu vão começar. Conhecer-se-á então melhor o valor respetivo dos favoritos e dos outsiders desta competição tão esperada pelo nosso povo; já só restaria a final da liga dos campeões para salvar este longo período estival.
Para me preparar melhor - minto, para preparar uma aula, sim… – vi o filme de Kusturica sobre Diego Maradona. Muitos desses documentos são já conhecidos do grande público e sobretudo dos jovens habitados pela paixão do futebol: “ El Pibe de Oro”, criança malabarista da bola, prodígio, que proclama um duplo desejo: jogar o Mundial, e ganhá-lo. Finalmente, só o terá ganho uma única vez, em 1986 no México ( teatro, no mesmo jogo contra a Inglaterra, o seu golo com a mão, seguidamente, o “golo do século”). Vimo-lo em lágrimas em 1990, aquando da sua derrota contra a Alemanha, e com os olhos flamejantes de cocaína nos Estados- Unidos em 1994.
Maradona debruça-se sobre o seu passado, com uma lucidez que o torna patético. Sob o efeito da cocaína, só falava com ele mesmo, e ninguém respondia. Parece ter aprendido a ouvir os outros a começar pela sua esposa. Mas vê-se também como o ator da sua própria vida, um ator que não precisa de ler ou recitar o seu próprio texto, mas cujo texto é a sua própria vida.
Autonomia orgulhosa e demente, escravatura por vezes delirante, vulnerabilidade à flor da pele.
O miúdo que se tornou demasiado rico é um pobre herói. Toca-nos pela sua fragilidade. Receamos pela sua desmedida narcísica. Parece-se connosco, no fundo.
Kusturica mostra-nos uma Igreja maradoniana, abençoando os casamentos em nome do Deus Diego e oferecendo-lhes, em vez duma Bíblia, uma bola imaculada. Porque a bola nunca suja, repete Maradona, na procura da pureza e do absoluto.
Sim, verdadeiramente o futebol pode tornar-se uma quase religião, um ópio, a saber, “uma peste emocional”.
Quando vemos a beleza e a inocência da infância dos filhos dos jogadores, como do Ronaldo, não podemos senão desejar para eles, como para todas as estrelas do sistema futebol, que fujam aos destinos dos miúdos que são enganados e contaminados por esta mundialização cínica. Mas tememos por eles, e por todos os jovens cegos por esta glória efémera e enganadora.
Por Adriano Valadar