A distinta classe política lusitana diverte-se agora fazendo exercícios de flic- -flac no palco papal e a nadar de costas no pântano de que António Guterres teve a lucidez de, a tempo, se salvar. Com os actuais próceres da Nação, com destaque para o primeiro- -ministro António Costa e o presidente da Assembleia Augusto Silva, a encherem o peito de ética republicana socialista, enquanto os putativos primeiros-ministros Pedro Santos e Fernando Medina perdem fôlego com os ares viciados da TAP, do Novo Aeroporto de Lisboa e de outros ambientes mais fechados. Longe vai o tempo em que o demiurgo socialista Mário Soares cunhou o lendário princípio da indignação popular e, sacrílego, não se coibiu de elogiar a ética do ditador republicano António Salazar que, segundo ele, “não foi nem fascista nem corrupto e nunca mexeu nos dinheiros públicos”. Convém, portanto, repensar a república e a ética republicana e esclarecer que república não é sinónimo de democracia, como também monarquia o não é de ditadura. Presentemente, há na Europa, países democráticos em que vigoram regimes monárquicos, como é o caso da vizinha Espanha e da nossa secular aliada Inglaterra, ainda que não se vislumbrem grandes hipóteses de Portugal voltar a ser uma monarquia, democrática, ainda assim, igualzinha à república em vigor. A verdade é que Portugal é, desde 1910, um país republicano e a portuguesíssima república já conta 113 anos, portanto. Implantada com a revolução de 5 de outubro de 1910, teve uma primeira vigência, conhecida como Primeira República, que durou apenas 16 anos porque terminou abruptamente como o golpe de 28 de maio de 1926, que deu origem à Ditadura Militar primeiro e, posteriormente, ao Estado Novo. Período de 16 anos apenas que, segundo fontes autorizadas, foram bem recheados com sete parlamentos, oito presidentes da República, 45 governos, 40 chefias de governo (um presidente do Governo Provisório e 38 presidentes do Ministério), duas presidências do Ministério que não chegaram a tomar posse, dois presidentes do Ministério interinos, uma junta constitucional, uma junta revolucionária e um ministério investido na totalidade do poder executivo. Primeira República, essa, que ficou igualmente marcada por convulsões sociais constantes e inúmeros crimes civis e políticos. Já o Estado Novo a que alguns historiadores também chamam de Segunda República, foi um regime político ditatorial, autoritário, autocrata e corporativista, é certo, mas republicano, note-se bem. E, como não há duas sem três, aí está a Terceira República que corresponde ao atual regime democrático estabelecido após a Revolução de 25 de Abril de 1974, que pôs fim à tal república autoritária de António Salazar e Marcello Caetano. Período inicialmente caracterizado por uma grande instabilidade que ficou conhecido como Processo Revolucionário em Curso, ou simplesmente PREC. A chamada ética republicana, na prática, tem muito que se lhe diga, portanto, apresentando-se, hoje em dia, como uma coisa do outro mundo, do mundo latino americano, melhor dizendo. Em teoria é lindo de se dizer que repudia, veemente, todo o tipo de compadrio, clientelismo, nepotismo e corrupção, consagrando o primado da igualdade de todos os cidadãos perante lei, não admitindo que uns beneficiem de privilégios e vantagens em função da sua filiação partidária ou laços familiares. Triste é reconhecer, porém, que esta república terceira, não tem sido propriamente um sucesso em matéria de democracia, no domínio económico e da justiça social bem como no combate à corrupção, sobretudo agora que a nova ética republicana em curso, uma espécie de PREC socialista, ganhou dinâmica própria com a maioria absoluta alcançada por António Costa, uma caixa de ressonância de todos os vícios do regime. O que também é bem visível na legião de autarcas que continuam a ser processados judicialmente, ainda que a causa primeira, temos que reconhecer, esteja na larga maioria dos eleitores que, desmotivados a preceito, sistematicamente não exercem o seu direito de voto, permitindo que o poder seja assaltado por gente indesejável. Não é de admirar, por isso, que a classe política em geral e a própria Assembleia da República em particular, contrariamente ao que afirma o seu presidente Augusto Silva, estejam cada vez afastados das boas graças da Nação. E que o primeiro-ministro António Costa e o seu o anjo da guarda, o presidente da República, Marcelo de Sousa, cada vez mais sós no poder e de caras voltadas, entre eles e o país. Ainda assim, a Nação esperava muito mais e melhor desta república de terceira classe, pelo que invocar a tal ética republicana no contexto actual é, no mínimo, ridículo. A menos que apenas se pretenda abafar a justa indignação popular que Mário Soares legitimou e à qual a governança socialista do presente dá toda a razão de ser