Em 1700, depois de conseguir o contrato do tabaco na província de Salamanca, por qualquer razão que Luís não conseguiu explicar, o tio João Dias Pereira abandonou Castela e regressou a Portugal, com toda a sua família. Possivelmente foi o medo de ser preso pela inquisição de Castela, o que seria extremamente grave para Guiomar Lopes que, aos 15 anos, passara pelas celas da inquisição de Valhadolid. Na altura era ainda solteira, tal como a sua amiga e companheira de prisão, Ana Maria Vilhena, filha de António Ramires, a qual, quando cumpria a pena nos cárceres da penitência, casou com o também prisioneiro e penitente, Gabriel de Sola. (1) Aliás, a relações entre a família de João Dias Pereira e a dos Ramires ficou patente no casamento de Luís Lopes. Para além disso, chegou a ajustar-se o casamento de Manuel, filho de João e Guiomar, com Maria Rodrigues, filha de Josefa Ramires. E seria por ver prender novamente Ana Maria Vilhena e Gabriel Sola pela mesma inquisição, que Guiomar Lopes e João Dias Pereira se resolveram abandonar Castela e regressar a Portugal. Aliá, tempos depois, “os inquisidores de Lisboa mandaram executar os decretos de prisão que vieram da inquisição de Valhadolid, contra João Dias Pereira, sua mulher, Guiomar Lopes e seus filhos Manuel Dias Pereira e Pedro Dias Pereira”- como se lê no processo de Guiomar. Luís Lopes ficou então por sua conta e risco com o estanco de Benavente, acompanhado pela mulher. E também ele, em 31 de Dezembro de 1701, seria preso pela inquisição de Valhadolid. Depois, não sabemos o que lhe aconteceu. Do processo instaurado pela inquisição de Lisboa a Diogo Lopes Marques, consta parte do processo de Luís Lopes Penha, recebida de Valhadolid. Daquele processo retiramos a seguinte oração, que Diogo e Luís rezavam pela manhã, ao levantar: - Bemdita la lux del dia e el Senhor que nos la imbía para nos dar pax e alegria e saber e entender para depues de morirmos bolbermos a aparecer neste mundo de claridade. Amen. (2) E uma outra, que rezava a qualquer hora do dia: Ó alto Diós grande Senhor creador del universo; Senhor a Ti me confesso por muy grande pecador; en errar perdon Te pido, no me des lo que yo meresco, dademe ajuda Y favor que promittiste a Daniel: la venida del Messias cumprase en nuestros dias; mandadenos el mensageiro que nos saque del captiveiro e yo e toda a gente viva en gloria del Senhor. Amen. (3) Voltemos então a Bragança aos anos de 1696, ao encontro de Manuel Lopes, que morava com o irmão João Ventura, tecelão de sedas, ofício em que Manuel foi também metido a aprender, durante “coisa de ano e meio”. O mestre, muito provavelmente seria Manuel da Costa, sogro de seu irmão Luís Lopes. Sobre aquele mestre, que depois se mudou para Lisboa, acrescentou Manuel Lopes: - O dito Manuel da Costa ensinava a tecer em Lisboa como tem declarado e foi em Lisboa seu mestre tecedor. (4) Estamos então perante um agregado familiar inteiramente dedicado à produção de fio e panos de sedas. Vejamos, a propósito dessa produção, e comércio dos produtos, em articulação com Lopo da Mesquita, o testemunho de Manuel Lopes: - Por muitas e repetidas vezes foi ele confessante a sua casa por seda para que a tecessem em diferentes telas os ditos João Ventura e Luís Lopes, seus irmãos, e Manuel da Costa, sogro de Luís Lopes. E, tecidas as telas, devolvia-as e entregava ao dito Lopo da Mesquita, homem rico. E entre as coisas que tratava era uma em seda de pelo para fazê-la tecer em diferentes ocasiões. (5) Cumpre dizer que o negócio das sedas de Lopo de Mesquita passava também pelo Porto, onde estava o seu irmão Salvador Pimentel que as vendia para diversas partes, no país e no estrangeiro. (6) Recordam-se de Pedro, um jovem de Bragança que andou em Lebução aprendendo o ofício de torcedor de seda com o mestre Jerónimo Álvares? Certamente que aquela não foi a única escola/oficina que frequentou, como diria Manuel Lopes: - Ouviu dizer que o dito Pedro que tinha aprendido o ofício de torcedor na cidade de Bragança, em casa de Lopo de Mesquita. (7) Também o Pedro tecia obra para Lopo da Mesquita e a ligação dos irmãos Lopes Pereira com ele era estreita e a razão não era apenas profissional mas também familiar. É que, a mulher de Pedro chamava-se Isabel e era “algo parente” de Manuel Lopes e seus irmãos. Com Pedro e Isabel vivia uma irmã desta e sobre a morte daquela, Manuel Lopes contou: - Depois de estar um ano em Bragança, morreu a dita Isabel e soube pela sua irmã e pelo dito João Ventura Lopes que estando perto da morte, pediu ao dito Pedro, seu marido, que envolvesse seu corpo em um lençol novo depois de morta e que assim havia feito, e ele confitente a viu defunta e lhe tinha posto o hábito de S. Francisco e debaixo o dito lençol novo, cerimónia que estilam (costumam) os judeus. (8) A propósito, Manuel aproveitou a oportunidade para falar dos ritos mortuários entre os judeus, contando aos inquisidores: - Quando esteve em Livorno, viu que os que morriam judeus os lavavam com água quente de rosas e outras ervas e lhe quebravam um ovo na cabeça e a limpavam e lavavam com a dita água e lhe cortavam as unhas e, envoltos em um lençol sem estrear e os metiam em uma caixa.(9) Ficando viúvo de Isabel, Pedro casou com a cunhada e foram-se para Itália, onde Manuel Lopes os encontrou, tendo já um filho de 4 anos “e o dito Pedro seu pai o ia levar à escola da sinagoga onde o viu muitas vezes”. Outros parentes mais afastados que Manuel Lopes conheceu em Bragança foram os irmãos Alexandre, Domingos e Manuel da Costa Miranda, primos segundos de Lopo Nunes Ferro, que o criou em Lebução. Mais tarde, quando Lopo Nunes e Isabel Cardosa, sua mulher, saíram da inquisição de Lerena e ali cumpriam a sua penitência, eram aqueles parentes de Bragança que lhe enviavam socorro para se sustentar. Estes 3 irmãos eram filhos de Isabel Nunes e Domingos da Costa. Manuel Lopes voltará a encontrá-los em Lisboa, onde serão presos pelo santo ofício, em 1703. (10) Como encontrará outros mais “judeus” que conhecera em Bragança.