Agostinho da Fonseca terá nascido em Chaves, por 1614. Era filho de Mariana de Almeida, originária de Castro Roupal, termo de Bragança e do Dr. João Soares, natural de Chaves, médico de profissão. Dos irmãos de Agostinho conhecemos António Fonseca, nascido por 1620 e Luísa da Fonseca.
Falecendo o Dr. Soares, Mariana dirigiu-se com os filhos para Madrid, terra onde seu pai, António Lopes de Castro, também vivera e acabou por falecer em 1595. Em Madrid vivia já uma boa parte de seus familiares, nomeadamente os Cortiços Villasante, todos trabalhando em uma rede de negócios que dava pelo nome de “Casa Cortiços”, superiormente gerida por Manuel Cortiços, sobrinho de Mariana, filho de sua irmã Luísa de Almeida. (1)
Dentro da própria família casou também Agostinho da Fonseca, com sua prima direita, Mariana Ferro Villasante, filha de sua tia Mência de Almeida, assim se estreitando ainda mais os laços entre ele e a Casa Cortiços onde, obviamente, ficou também a trabalhar.
A irmã, Luísa da Fonseca, foi para Sevilha viver, em casa de sua tia Guiomar da Fonseca. Viria a casar com Agostinho Soares que, igualmente, trabalhava em Madrid, na área financeira da Casa Cortiços. O irmão António da Fonseca casou com Francisca da Paz e foi viver para a cidade de Antuérpia, trabalhando na delegação da empresa dos Cortiços Villasante na região da Flandres.
Um dos projetos então traçados visava a abertura de uma delegação da “Casa Cortiços” na cidade-estado de Veneza, que então se afirmava como uma grande potência comercial, entre o ocidente e o médio oriente. Coube a Agostinho Fonseca dar corpo a este projeto, para ali se transferindo em 1634.
Mas não se pense que Agostinho era um mero agente ou funcionário da Casa Cortiços. Não, à boa maneira da gente de nação, ele era um empresário e empenhava-se em construir a sua própria carreira e fazer a sua própria casa. Era um homem desejoso de subir na vida, ganhar prestígio e poder.
Mas não era fácil conseguir uma posição de relevo numa sociedade estratificada como a de Veneza onde todo o poder político estava nas mãos de uma classe, a dos “patrícios” que tinham o nome inscrito no “Livro de Ouro” e onde apenas podiam ser inscritos os filhos varões dos mesmos “patrícios”.
Nesta Veneza republicana e profundamente aristocrática, o lugar dos judeus era o “gueto”, palavra e realidade que terá nascido mesmo ali. Numa zona de penumbra, ou de fronteira entre o “gueto” e a “cidade”, aparecia a “nação portuguesa” formada por endinheirados mercadores cristãos-novos fugidos da inquisição, uns com ideia de se fazer judeus e entrar no “gueto”, outros sonhando entrar para a classe dos “patrícios”.
E este foi nitidamente o plano de promoção social traçado por Agostinho Fonseca para si e seus descendentes. Dinheiro e sucesso empresarial, manifestamente não lhe faltavam, sendo o próprio “Conselho” do governo da cidade a reconhecer o extraordinário papel de Agostinho em socorro dos lanifícios Venezianos que então atravessavam uma grande crise. Como agente da “Casa Cortiços”, apresentava-se como o maior importador de lãs de Espanha. Por outro lado, aliando-se a empresários têxteis Venezianos, Agostinho conseguiu o privilégio da produção e venda de panos ditos “Holandas” em Veneza.
Porém, um grande mercador, também podia ser olhado como um contrabandista e sustentáculo da rede de informadores do inimigo estado espanhol. Aliás, os ordenados aos embaixadores de Espanha em Veneza eram exatamente pagos por Fonseca. Facilmente se poderia também estabelecer ligação de Agostinho aos judaizantes, especialmente quando, no seguimento da morte de Manuel Cortiços, a viúva, D. Luísa Ferro foi presa pela inquisição espanhola, acusada de ter dado esmolas aos pobres da nação por morte de seu marido. Esta prática ritual que era prova do seu marranismo, permitiu a ligação da casa Cortiços com a comunidade sefardita do estrangeiro. Uma nota em particular referia um seu parente hebreu residente em Veneza, Juan ou Agostinho da Fonseca, que havia dado milhares de ducados ao pobres do gueto de Veneza e à comunidade sefardita de Livorno .
Em sua defesa saiu Giovanni de Conti, pároco da igreja de San Geremia, atestando a boa conduta cristã do senhor marquês Agostinho da Fonseca, que residia na sua paróquia, em uma residência contigua à zona do gueto, na área San Giobbe que dava de frente com uma das entradas para o chamado “Ghetto Novo”. Afirmava aquele padre que sempre o havia visto frequentar a missa e comungar, efetuado ainda numerosas doações à igreja e à confraria do santíssimo sacramento, onde exerceu as funções de mordomo em 1646. O mesmo cargo exerceu também seu cunhado, Agostinho Soares, em 1660, depois de sua transferência de Madrid.
Como entraria então para a classe dos patrícios um mercador vindo de Espanha, vivendo na fronteira do “gueto”? Fácil! Os aristocratas do “Grande Conselho” a quem competia decidir, não resistiam a um título de nobreza. E foi isso que fez Agostinho. Conseguiu que o rei de Espanha lhe concedesse o título de marquês e em Itália comprou, por 20 000 ducados, um “senhorio” em Turino. E nessa qualidade de marquês de Turino, foi admitido na classe dos “patrícios”. Rápida e grande foi a sua ascensão social e a construção do seu “senhorio” (espécie de morgadio) em Veneza, efetuando-se a sua entrada para o patriciado no ano de 1665.
Isso não significou qualquer corte com a Casa Cortiços que continuou a servir, investindo qualquer coisa como 190 000 ducados nos anos de 1667 a 1669 na compra de imóveis na cidade lagunar e na chamada “terraferma”.
Rápida e grande foi também a queda do mesmo “senhorio”. E esta realidade aparece muito vincada no seu testamento. Por um lado surgiram divergências e disputas financeiras com a família Cortiços. Por outro lado, os dois filhos varões que sobreviviam, foram por ele excluídos da herança. O mais velho, Sebastião, nascido em 1651, foi afastado por ser extravagante e não querer casar, ato obrigatório para inscrição do seu nome e descendência varonil no “Livro de Ouro” e o segundo, Giovanni Daniel, por ser muito pequeno, pois contava apenas 10 anos à data do falecimento do pai.
Na falta de filhos, pensou Agostinho em sua filha Isabel que desejava casasse com um filho de seu irmão António Fonseca, chamado Giovanni António, nascido em 1660 e que, embora morasse na Flandres, conseguiu também o título de “patrício” de Veneza. Mas tal não se concretizou e este foi o único descendente da casa Fonseca a ocupar cargos no governo veneziano de que foi camareiro e tesoureiro em Udine. Com a sua morte, em 1744, a “Casa Fonseca” extinguiu-se.
Quanto a Isabel, sabemos que casou com Annibale Zolio, homem da nobreza, em 17 Junho de 1697. Deste matrimónio houve dois descendentes: Girolamo e Agostinho.
No escalonamento dos herdeiros, Agostinho Fonseca considerou ainda outras hipóteses, sempre com o objetivo de transmissão do direito de “patrício” e acesso ao “grande conselho”, vinculando o direito de progenitura na descendência varonil. Neste caso seria Giovanni Soares, filho de seu cunhado, Agostinho Soares, marquês de Convincento, e só em último caso indicava como possível sucessor um filho do novo gestor da “Casa Cortiços”, o poderoso Manuel José Cortiços, marquês de Villa Flores.
Agostinho Fonseca terá falecido em 1681, pois o seu testamento foi publicado em 15 de setembro daquele ano, conforme informação de Federica Ruspio. Depois do falecimento Agostinho da Fonseca ficou como sua executora sua mulher Mariana Ferro a qual perdeu na Justiça de Veneza a causa contra Sebastião Manuel Cortiços e sua irmã Luísa Teresa, causa essa que dizia respeito aos investimentos atrás referidos, feitos em Veneza por Agostinho da Fonseca, na qualidade de procurador de Manuel José Cortiços, pai de Sebastião e Luísa.
NOTA e BIBLIOGRAFIA:
1-ANTT, inquisição de Coimbra, pº 5496, de Manuel de Almeida Castro.
ANDRADE e GUIMARÂES – Nas Rotas dos marranos de Trás-os-Montes, 2ª parte Os Almeida Castro, uma família de cristãos-novos de Izeda, ed. Âncora, Lisboa, 2014.
Federica Ruspio - Da Madrid a Venezia : L’ ascesa del mercante nuovo cristiano Agostino Fonseca . Mélanges de L´Ecole francaise de Rome - Italie et Mediterranée modernes et comtemporaines (en ligne).
Markus Schreiber – Marranen in Madrid 1600-1670 – Stuttgard- Franz Steiner , Verlag 1994.