NATO? PARA QUE SERVE, AFINAL?

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Nos idos anos setenta, a par da emissão diária da primeira e, talvez, mais famosa telenovela “Gabriela”, passava na RTP, semanalmente, à segunda-feira o extraordinário concurso televisivo, “A Visita da Cornélia”, apresentado pelos saudosos Raul Solnado e José Fialho Gouveia. Teve, entre outras, a virtualidade de revelar ao público vários talentos e gravar na memória dos telespetadores, cenas e atuações que perduram como as atuações do nosso conterrâneo Tozé Martinho e da sua mãe, Tareca. Lembro- -me, particularmente, de um sketch teatral trazido à cena, se a memória não me atraiçoa, por Hugo Maia de Loureiro. Nessa cena o cantor representava o papel de um fanfarrão, acompanhado por um irmão mais novo a quem um rufia ameaçava. O fanfarrão fazia peito e voz grossa para com o rufia dizendo-lhe que se tocasse no irmão se iria arrepender. O rufia dava-lhe um tabefe e o fanfarrão continuava a ameaçá-lo garantindo que se repetisse o gesto havia de se haver consigo. E ele repetia. O irmão mais novo queria desistir, mas o fanfarrão não o deixava e insistia. “Ora bate lá, outra vez, se és capaz!”. E o outro batia. E nada lhe acontecia.

Se a NATO não tinha qualquer intenção de incluir a Ucrânia, por que razão lhe fez crer que sim?

Se a Ucrânia não é relevante para a defesa da comunidade ocidental representada na OTAN, então não devia, NUNCA ter-lhe sido acenado com a possibilidade de pertença. Sendo certo que o povo ucraniano tem o direito de decidir se quer aderir ou não, igualmente é à NATO que cabe a decisão final se aceita ou não o putativo pedido de adesão. Em casos de geoestratégia, a este nível, não pode haver ingenuidades. O alargamento deste grupo de defesa militar até às fronteiras do principal opositor não pode ser decidido de ânimo leve. Ou tem uma importância de grande relevo ou não tem. Se não tem, então, por muito que o povo ucraniano quisesse, tal não era possível e ponto final, não havia qualquer discussão. Mas, perante a tirânica vizinhança e ameaça real de invasão, para impedir o deslocamento para oeste da linha divisória, podia ser entendido que era crucial prevenir tal “tentação” incluindo mais um país no Tratado do Atlântico Norte, se este assim o quisesse. Mas, neste caso, teria de haver a disposição, firme, inabalável e destemida de enfrentar todas as consequências! Dado o cenário atual e os trágicos desenvolvimentos no terreno é bom olhar, de forma desapaixonada e com realismo o que está a acontecer e os anseios de cada um. Comecemos por aqui. A Ucrânia, país invadido, massacrado pela força aérea russa que, desrespeitando todas as convenções internacionais destrói hospitais e infantários, vira-se para a NATO e pede que seja decretada uma zona de exclusão aérea. Não pede a intervenção no terreno, nem o envolvimento dos outros países no conflito. E o que recebe como resposta? Que, sendo razoável o seu pedido, não o fará porque isso pode significar o confronto direto com a Rússia. E então? Tem medo de enfrentar o Kremlin? Se tem medo de o enfrentar... serve, para quê, então? Não o faz porque não há suporte legal. E que legalidade existe no bombardeio de populações civis, na morte indiscriminada de mulheres e crianças, no ataque a colunas humanitárias e na destruição de estruturas habitacionais e de apoio às populações?

José Mário Leite