NÃO, PEDRO, NÃO É!

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“Palavra fora da boca é pedra fora da mão”, diz-nos a sabedoria popular para nos lembrar que uma vez proferida, uma vez atirada, já não é possível reverter totalmente o seu efeito. Pedro Nuno Santos, no debate a oito, desta sexta-feira, veio emendar a mão dizendo de forma clara (ao contrário do seu principal opositor) quais as condições em que viabilizaria ou não um governo, outro que não o do PS. Mas vem tarde. Porque um remendo, por melhor que seja, é sempre um remendo! O líder do PS tinha iniciado uma caminhada no bom sentido, que apesar de ter começado num rotundo NÃO a qualquer governo à direita, compreensível como fator distintivo do seu opositor interno e para marcar uma posição de ancoragem para uma possível (se favorável) dramatização, mais à frente, na campanha, foi evoluindo para uma clarificação no debate com Montenegro onde, perante a insistente indefinição do seu oponente, ganhou mais pontos do que persistindo na irredutibilidade inicial. E foi precisamente quando tinha ganho avanço sobre a concorrência que se desorientou e resolveu olhar para trás e apesar de a caminhada o colocar em posição vantajosa para se lançar na campanha propriamente dita resolveu dar um passo atrás e tentar corrigir a rota e redesenhar as próprias pegadas. Provavelmente pressionado pela entourage interna descontente com um desfecho que, sendo apenas um cenário, não satisfazia, na totalidade, a enormidade dos grandes umbigos demasiado habituados à gamela governamental. Tentando agradar a gregos e troianos (ação de altíssimo risco em política, apesar de, obviamente, muito tentadora) Pedro Nuno quis abrir uma brecha no muro que tão eficazmente tinha construído na véspera: foi buscar para ferramenta de corte um pretenso valor: a reciprocidade! A reciprocidade é um valor no amor, na amizade, na interajuda e em várias outras atividades humanas mas não em política nem em justiça. A não reciprocidade é, precisamente, um elemento distintivo da democracia: a liberdade e tolerância dos democratas, para ser efetiva e consequente tem de se estender a todos, incluindo os que a não defendem nem praticam. A Lei de Talião, registada há quatro mil anos por Hamurabi, deixou de ser, felizmente, um marco referenciador da nossa civilização. Não, Pedro Nuno Santos, em democracia a reciprocidade (ou retaliação, para ser mais simples e direto) não é um princípio valorizável por quem defenda uma sociedade moderna, justa, evoluída e contemporânea. Por si só, mas muito menos, quando, para satisfazer as ambições partidárias, compromete a governabilidade de um país (isso sim, mais valioso) indo contra a vontade popular em urna, por muito “injusta” que possa parecer a qualquer um! Mesmo que o fosse, não devia. Não só por questões de conveniência do bem co- mum, mas também por oportunidade política do próprio partido socialista. Vendo bem, que vantagem pode ter o líder do PS ao exigir que o seu opositor tenha o mesmo comportamento que ele? Como quer convencer os eleitores a votarem em si, exigindo que escolham entre a sua pessoa e outra, que lhes apresenta como sendo igual em decisões primordiais do futuro pós-eleitoral, imediato… quando o que, historicamente os distingue é a herança de um desastrosa ingovernabilidade… mesmo depois de ter sido brindado com uma maioria absoluta?

José Mário Leite