Mundividência

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Boas tardes meus caros. Como têm passado? O calor aperta por aí? Costuma dizer-se que o tempo que vem no seu tempo não é mau tempo. O tempo, sempre tão dado a ditos e lengalengas. Sem perder tempo vou dar-me a outras considerações e mudar um pouco de assunto. Por mais que os tempos avancem e se celebrem vitórias há uma coisa de que os portugueses mal conseguem desprender-se. De cada vez que se fala do estado das coisas em geral ou de algum tema em particular lá vem o velho argumento “porque lá fora é assim”, porque “na Europa faz-se assado”, porque “lá é diferente” (entenda-se por diferente muito melhor do que cá). Primeiro este tema não é novo. Já Eça de Queirós escrevia acerca desta tendência para o português facilmente se deslumbrar de cada vez que ia ao estrangeiro e uma vez regressado ninguém o calava com esses “porque lá fora isto, porque lá fora aquilo”. Falava desta espécie de basbaquice portuguesa acompanhada pelo constante engrandecimento de tudo o que se fazia no estrangeiro e a tendência para a desconsideração da nossa própria forma de fazer as coisas. Hoje em dia ainda é comum estar a ler notícias ou entrevistas e surgir o tal “porque na Europa”. Portugal, país acontinental de morada desconhecida, onde a Europa é outra coisa. Penso que estes princípios e atitudes, como tudo, têm um lado bom e um lado mau. O lado bom é que olhamos para fora e de uma maneira ou de outra nos inspiramos ou aprendemos algo com isso. Somos um povo atento ao mundo, basta ver o espaço que as notícias - de todo o tipo - estrangeiras têm nos nossos meios informativos. Nas décadas mais recentes apreendemos e adoptamos muitos modelos e condutas importadas, nem todas se aplicam à nossa realidade, mas a verdade é que essa atitude nos ajudou a melhorar, a desenvolver, tentativa, erro, a encontrar o nosso estilo com essa noção presente de como é “lá fora”. É verdade que sermos um país que se cruza em duas horas ajuda um pouco a esta predisposição. Países territorialmente extensos, quiçá demasiados extensos para um país só, têm muito com que se entreter dentro de portas, diferenças de vária ordem para agregar diariamente, sendo que não possuem nem de perto nem de longe esta visão global como povos de todo um vasto mundo que os circunda. São de certa forma países autónomos e auto-suficientes no que à mundividência (visão ou concepção do mundo) diz respeito. Países há que têm objectivos muito concretos no que respeita a esse “olhar para fora”, perseguem ferozmente certos modelos económico-sociais (mais económicos do que sociais) e fazem uma filtragem do que consideram acessório ou dispensável para conservar essa concepção. A China, pois claro, tem ambas as características. Em chinês, China (中国 –Zhong guó) significa “país do meio”. Reparem bem em como é gráfico esse primeiro caracter e nele se consegue divisar perfeitamente o significado de “meio / centro”. Historicamente a China sempre se viu e se vê como o país do centro. Aliás, o que para o Ocidente a Antiga Grécia representa, a Oriente todas as culturas beberam de uma forma ou de outra da ancestral China Imperial. Por exemplo, aqui o mapa do mundo tem a China (Ásia) no meio. A Europa e África à esquerda e as Américas do lado direito. Quando vejo um mapa-mundo dos chineses lembro-me do Cabo da Roca e da pedra que cita Camões, “onde o mar começa e a terra acaba”. Isto porque à esquerda de Portugal no mapa só o Oceano Atlântico. Mas se afinal o planeta é redondo quem os impede de o apresentar deste modo e de se colocarem no lado que quiserem da fotografia? Estas coisas ajudam a perceber como os povos se vêem no meio do mundo. Isto é, os chineses vêem-se literalmente no meio, no centro do mundo, mas o que eu queria dizer é como nos vemos como parte deste planeta, deste conjunto de territórios e nações. Não me esqueci, o lado mau. O lado mau é que esta ideia constante de tomar o lá fora como exemplo, por vezes faz-nos ver um pouco mais pequenos em relação aos outros e, como consequência, faz com que os outros nos vejam também dessa forma. Um pouco como aquela do “se não gostares de ti quem gostará?”. Neste caso, se te vês a ti mesmo de um determinado modo como queres que os outros te vejam? Os nossos olhos postos lá fora, e nos que vêm de fora, dão-nos uma visão do mundo mais ampla e inclusiva. Em jeito de balanço creio que esta postura tem-se despido bastante da pequenez de outrora e tem tido um impacto considerável e positivo em nós enquanto sociedade. Mas o que será exactamente este “lá fora” que tanto repetimos? Talvez volte a falar disso. Cuidai-vos!

Manuel João Pires