Mensagens escritas e beijos

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Há cerca de duas décadas as mensagens escritas tornaram-se corriqueiras. Primeiro, nos telemóveis. Tínhamos que gerir bem quanto escrevíamos, para só pagar uma mensagem, e a quem a  enviávamos.  Uma mensagem escrita era um evento controlado. E tínhamos que ter um motivo válido para as receber ou enviar. Aprendemos a escrever telegraficamente, por causa dos tais caracteres contados. Usávamos abreviaturas manhosas, onde reinavam letras como o k. Infelizmente, há quem tenha ficado preso nos anos 2000, e essa forma de assassinar a língua materna permanece viva. Era entendimento geral que não era suposto manter uma conversa longa pela via escrita, no telemóvel. Por norma, havia um propósito, um objectivo. Se fosse só para chamar a atenção, dávamos «um toque». Havia quem tivesse códigos, qual jogo do copo, mas com o telemóvel e pessoas vivas. «Um toque sim, dois não». «Manda toque ao saíres de casa». Hoje em dia, isto seria um «olá», assim, à paposeco, em qualquer plataforma de conversa online. Para delongas, tínhamos a internet. Primeiro, o mIRC. Sou mais do tempo do Messenger, com aqueles dois bonequinhos, um verde e outro azul. Entretanto, veio o Facebook, e depois passámos a ter um Messenger lá. Não sei a ordem correcta dos eventos, mas o velhinho Messenger desapareceu por esta altura. Mudanças que tivemos que acompanhar, e que o fizemos de forma muito natural. Por esta altura, já a internet era mais acessível, a todos os níveis. Chegou a todo o lado, aos telemóveis sem teclas também. Tudo a uma velocidade (mais ou menos) galopante. Agora, quem não está disponível online é como que se não existisse. Está fora de mão. Estamos todos habituados a falar por escrito, online. Não me lembro a última vez que escrevi, à mão, uma carta inteira para ir aos Correios. Quanto muito, escrevo no envelope. E até isso estamos a perder. Hoje, é quase obrigatório usar bonequinhos para exprimir sentimentos. É possível fazer frases só com estes amigos coloridos. Completa a parte escrita, como uma bengala, para conseguirmos transmitir correctamente as nossas emoções. É que escrever é sempre um exercício individual, mesmo com a tecnologia. Podemos escrever, saber o que queremos dizer, achar que é entendível da maneira como o concretizámos. Mas ser imperceptível para o receptor, porque criámos um “ruído”, algo que impede a t ra nsmissão do que queremos dizer. Outras vezes, somos só mal interpretados. Até escrevemos bem as nossas ideias, só que ler também é um exercício pessoal. E nem sempre se entende o que o emissário quis, de facto, dizer. Uma interpretação deficiente, ou personalizada, se preferirem, não é incomum. Uma das coisas mais dúbias para mim nas conversas online são os «beijos», «um beijo» e «beijinhos», nas despedidas. Deve ser por isso que raramente, nestas interações, cumprimento ou me despeço, a não ser que saiba o que é seguro. É seguro mandar “beijinhos” a toda a gente. “Beijos” também é mais ou menos seguro. Mas “um beijo” é diferente. Parece demasiado pessoal. É só um. Repenicado. “Um beijo”. Claro que tudo depende de quem o diz e para quem se diz. Não teremos dúvida que há “um beijo” equivalente a “beijinhos”, e vice-versa. Contudo, “um beijo” parece criar proximidade, mesmo virtual. Ficam dúvidas, que podem provocar ruído e causar uma impressão equivocada, para o bem e para o mal. E é por isso que, para deixar tudo em pratos limpos, às vezes temos mesmo que optar por fazer as coisas à antiga. Cara a cara. Viver de verdade, por esse mundo afora. Como antes das mensagens escritas. E como deve ser.

Tânia Rei