Mendicidade, o grande desígnio nacional

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Os portugueses protagoniza - ram grandes desígnios na sua longa História, o mais recente dos quais redundou na inglória guerra que marcou o fim do Império. São mesmo dos raros povos que corporizaram uma odisseia como a que o seu poeta maior, o imortal Luís Vaz de Camões, cantou n` Os Lusíadas, poema eterno e universal. Desígnios de universalismo, cosmopolitismo e humanidade, com realce para a integração social e racial por mais que os seus detratores se esforcem por diabolizar, realçando episódios humanamente reprováveis. Nos dias de hoje, porém, o grande desígnio nacional é a mendicidade institucional que se sobrepõe ao turismo e ao futebol, se bem que, aparentemente, já não haja mendigos em Portugal. De facto, já se não veem infelizes a pedir esmola para sobreviver. Pedintes a estender a mão à caridade (palavra proscrita) na via pública ou à porta das igrejas. Não só nas grandes cidades mas também nos pequenos povoados. Muitos ainda se recordarão dos pobrezinhos que deambulavam de aldeia em aldeia suplicando um naco de pão, um punhado de batatas ou mesmo o fio de azeite que almas caridosas lhe depositavam na lata que traziam pendurada ao pescoço, como era consagrada tradição na Terra Quente Transmontana. Sem esquecer os ceguinhos que cantavam tristes fados ao som do violão da desgraça Foram tempos de grande tristeza e miséria em que muitos pobres se viam constrangidos a roubar os ricos por necessidade. Agora há, isso sim, muitos ricos que roubam os pobres por prazer e para deleite pessoal. Hoje os tempos são outros, portanto. São supostamente tempos melhores, de abastança, de alegria e de farra. Já não há ceguinhos a cantar o fado pelas feiras mas enxameiam os espertalhões que cantam cantigas bem mais alegres e de olhos bem arregalados. E há milhares de honestos cidadãos que, embora não peçam nas ruas, mendigam subsídios, favores e empregos nas sacristias partidárias e nas igrejas da Administração Pública. Há, até, quem venda corpo e alma por um emprego ou um cargo bem remunerado. É certo que ainda há infelizes, agora designados por “sem abrigo”, nas ruas e praças das maiores cidades e que até merecerem a melhor atenção dos políticos mais carismáticos e caridosos, com realce para o presidente Marcelo, que continuam a prometer que vão retirá-los das ruas e levá-los, não se sabe bem para onde. Só que ainda não terão tido tempo nem oportunidade para tanto, de tão atarefados e distraídos que andam a cuidar das próprias imagens, noutras andanças. Razões de sobra para se dizer que de boas intenções está o inferno cheio. Acresce que com a pandemia o regime político português se transfigurou num baile de máscaras tragicómico, com mais de 2 000 00 de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social, o seu maior motivo de vergonha. Mas se já não há mendigos nas ruas de Portugal, nos tempos que correm, é só porque o Governo passou a mendigar por todos nós, ainda que mais por uns do que por outros, às portas das igrejas e capelinhas da UE. Vem isto a propósito da vinda a Portugal da simpatiquíssima Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, que não tem nada a ver com a carrancuda Ângela Merkel, assim como António Costa, mendigo mor e homem de mãos largas e generosidade sem limites, nada tem a ver com o avaro Passos Coelho da austeridade. Mas que terá vindo Ursula von der Leyen fazer a Portugal? Transformar pão em rosas, imagine-se, qual rainha Santa Isabel dos nossos dias! Entregar ao seu compincha António o primeiro cheque do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) que ela própria desconfia que poderá transformar-se num plano de roubos e rapinas, até porque se terá apercebido que já há muitos atletas com os pés nos tacos para irem, a correr, ao banco, logo que seja dada a ordem de partida. Por isso mesmo foi avisando que só haverá mais cheques se os portugueses, ou o Governo melhor dizendo, se portarem bem. Em Portugal, porém, já ninguém fica chocado com estas coisas. Até porque os portugueses estão fartos de saber que quando a esmola é grande, o santo desconfia. E que daquelas bandas da Europa quando dão uma chouriça, ou uma salchicha, como se preferir, ficam lá com o porco inteiro. O mais certo será, acabarmos todos, mais uma vez e não tarda, a estender a mão à reabilitada caridade. Nas ruas de Bruxelas, de Berlim, de Nova Iorque ou de Pequim, tanto faz.

Henrique Pedro