Memórias do comboio - de Bragança do Pará a Bragança transmontana

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Como é sabido Bragança está geminada com Bragança do Pará, com a qual mantem laços de amizade e cooperação, dando particular ênfase à atividade cultural. Bragança do Pará localiza-se nas margens do rio Caeté, a nordeste, sendo um município do Estado do Pará, cuja capital é Belém do Pará. No âmbito desta geminação teve lugar de 6 a 13 de Outubro, em Belém do Pará, o “IV encontro Literário da Lusofonia” que se realiza, alternadamente, em Bragança transmontana e em Belém do Pará. Este ano deslocou-se ao Brasil o presidente da Câmara de Bragança, Hernâni Dias e a sua comitiva que integrava, entre outras, personalidades do mundo das letras e da cultura para participarem no importante encontro literário organizado pela centenária Academia Paraense de Letras a que preside o carismático homem da cultura paraense Alcyr  Meira.
E Belém do Pará é uma cidade populosa, com as suas grandezas e misérias, com as sua festa do “Círio” onde se organizam procissões em honra de Nossa Senhora da Nazaré, com cinco quilómetro de comprimento, com mais de dois milhões de participantes e milhares de barcos engalanados navegando na imensidão do rio amazonas. A comitiva de Bragança participou neste evento e ouviu o sentir das gentes de Bragança do Pará, um sentir semelhante à nossa Bragança, embora a grandeza do atlântico separe, ou talvez una, as duas cidades.
Um dos lamentos dos habitantes de Bragança do Pará é a perda do comboio que fazia a ligação, por “estrada de ferro”, desta cidade, a Belém do Pará, num percurso de 204 Km. O comboio iniciou as suas viagens em 1908 e terminaram em 1965, para descontentamento dos Bragantinos. O “trem de ferro” ainda hoje é uma referência constante ao nível do imaginário, das memórias e da saudade. Atualmente, a ligação entre Bragança do Pará e Belém faz-se por uma estrada com precárias condições. Por isso, os Bragantinos não se calam e reclamam permanentemente o seu comboio, de grande importância nos transportes e na economia duma cidade com cem mil habitantes. Toda a gente fala no comboio, como se tivesse sido ontem que o “trem” se silenciou pelas terras da Amazónia. Os escritores contribuem para manterem viva a memória da “estrada de ferro” e publicam livros onde o tema central é o comboio, como é o caso do romance “Maria-Fumaça” do escritor Amaury Braga Dantas.
Também nós tivemos um comboio que rasgou as margens do rio Tua e chegou a Bragança pela força e tenacidade de Abílio Beça. Quantas dores de cabeça, quantas idas a Lisboa, a quantas portas, o Dr. Abílio Beça bateu para que finalmente o comboio, pintado de verde, na força monumental da máquina a vapor, chegasse triunfante a Bragança no ano de 1906.
Em 1991 é encerrado o troço ferroviário entre Mirandela e Bragança e definitivamente Bragança perdia um importante e secular serviço prestado pela CP. E esta perda não deve ser entendida como um sentir nostalgia do passado, como um sentir romântico de ouvir o apitar prolongado do comboio à chegada e à partida. Esta perda do comboio deve ser entendida como uma delapidação do nosso património, como um ato de ostracismo para com a região, com um elevado prejuízo para a economia regional e para o bem-estar das pessoas.
E embora pareça utópico sonhar com o regresso do comboio a Bragança, não é, pois uma nova linha do caminho-de-ferro com ligação aos comboios de alta velocidade com paragem na Puebla da Sanábria seria de extrema importância para a região, abrindo uma porta rápida para a Europa.
Por isso, para que os vindouros não nos acusem de silenciar o passado, de desleixo na luta pelos interesses da região é que, em meu entender, devemos ter sempre presente, no nosso quotidiano, esta revindicação maior em prol da reativação duma linha do caminho-de-ferro na nossa região, com destino a Bragança e ligação à Puebla.
E porque “sempre que um homem sonha o mundo pula e avança” no dizer do nosso Gedeão, vale a pena continuar a sonhar com o comboio que um dia romperá o silêncio da História e entrará triunfante da estação de Bragança rumo à Espanha e à Europa.

Fernando Calado