Ouvi várias vezes e usei, muitas outras, a expressão “jovens turcos” para identificar e classificar grupos que emergem, sobretudo em partidos políticos, constituídos por pessoas mais novas com propósitos de romperem com a ordem estabelecida. A expressão perdeu força e é agora também usada para caracterizar situações de renovação geracional noutro tipo de instituições. O verdadeiro significado da proposição, percebi-o numa visita recente a Erevan, capital da Arménia.
No cimo de uma colina, nos arredores da capital, junto ao rio Hrazdán ergue-se um memorial dedicado às vítimas do genocídio de 1915. Uma torre com mais de quarenta metros aponta para o céu, ao lado de um monumento composto por doze lajes de basalto negro, representando as doze províncias perdidas para a Turquia. Num extenso muro estão inscritos os nomes das cidades e vilas onde aconteceram massacres. O resto do espaço está ocupado por um extenso jardim de abetos plantados por muitas das celebridades que visitaram o local. Foi aí que, com uma música fúnebre de fundo, a guia, emocionadamente, recordou as atrocidades cometidas contra o seu povo na sequência da política de homogeneização cultural e limpeza étnica levada a cabo pelo movimento iniciado pelos Jovens Turcos!
Dos dramáticos relatos sobre essa tragédia enorme e sem medida houve dois que me impressionaram especialmente, ambos relacionados com a memória, com a descoberta dos seus mais recônditos labirintos, um, com a sua inaceitável perda, o outro.
Os carrascos turcos enviaram para o deserto sírio, várias e numerosos grupos de arménios, cujo destino traçado foi a morte pela fome, sede e desidratação. Desesperadas, muitas mães, ofereceram os filhos a tribos nómadas com quem se cruzavam. Mais tarde, as autoridades arménias pretenderam resgatar essas crianças e repatriá-las. Duas enormes dificuldades se lhes depararam: as raparigas estavam já, na sua grande maioria, casadas integrando famílias constituídas e estabilizadas, por ser tradição árabe casá-las ainda muito jovens. Havia também um obstáculo na identificação dos rapazes, mais livres e disponíveis: a maioria deles não sabia nada da sua ascendência, nem tão pouco falava ou reconhecia qualquer palavra arménio. A forma como foram identificados foi pela forma como reagiam a canções arménias de embalar. O reconhecimento desses sons familiares, recônditos, despertou nos jovens, momentos adormecidos e quase apagados.
O segundo tem a ver com a indiferença como o mundo tratou, na altura, este horrendo crime contra todo um povo. Foi de tal forma desvalorizado, desmerecido e desacreditado que, quando a chamada “Solução Final” para exterminar os judeus alemães e polacos foi apresentada a Adolf Hitler e este a aprovou, alguém lhe chamou à atenção sobre a repercussão que tal plano poderia ter na imagem internacional da Alemanha, este respondeu que seria um fenómeno passageiro argumentando: Quem se lembra já do genocídio arménio?
Para evitar a repetição do Holocausto é necessário lembrá-lo e descrevê-lo. Mas é necessário, antes, reconhecer e condenar o horrendo genocídio arménio. Porque aconteceu e porque o precedeu e porque foi desvalorizado, negado e esquecido!