Ora bons dias, forte gente. Parece que aí está tempo de se fazerem bons lumes. Ao lume bem se está até porque agora não há muito mais sítios por onde estar. Há que ficar por casa a sair pouco e a interagir com outros o mínimo possível para se poder mitigar o bicho bem mitigado. Agora que o embate aperta as pessoas parecem mais cientes do que têm a fazer, principalmente desde que tem afectado as comunidades mais pequenas e o impacto se tem sentido, por exemplo, em lares de idosos por todo país. Acho que o país tem reagido bem, embora com algumas excepções de gente que perde a cabeça com dois raios de sol ou acha que isto é tarefa para se ir fazendo dia sim, dia não. É que para se ficar uns dias em casa e noutros andar-se por aí no meio do barulho a estragar a dieta, para isso nem vale a pena tanto sacrifício. Os médicos já estão suficientemente esgotados para lhes azucrinarem ainda mais a paciência. Mas tirando esses episódios creio que as pessoas e as autoridades têm respondido da melhor forma ao estado de emergência. Ainda há pouco falava com o presidente da junta das freguesias de Vale Frades, Avelanoso, Serapicos e São Joanico (parecem mais as freguesias que os fregueses) e nota-se que se estão a seguir as normas exemplarmente. Estabelecimentos não essenciais fechados, desinfecção de espaços, serviços a funcionar com regras estritas na interacção entre as pessoas, tele-trabalho, acessos a Espanha vedados. Os portugueses estão aprimorados na arte de organizar eventos. Essa parte está garantida, agora falta é pôr todo o pessoal a cooperar com a organização. Outra coisa que eu também considero que falta são as máscaras. É que quem passou pelo surto deste lado, numa altura em que quase tudo era desconhecimento, aprendeu a usar a máscara como uma extensão da sua própria face. Ainda hoje que já aliviou um pouco e a normalidade se vai instalando são de uso obrigatório. Já houve dias em que pensei que se fosse em pelota para a rua mas com uma máscara no rosto seria considerado mais normal ou menos senil do que todo vestido mas sem ela. Uma vez nos dias mais críticos saí de casa à pressa para recolher umas compras, esqueci-me de a pôr e dois vizinhos à porta do prédio começaram a afastar-se de mim por entre esgares de pânico, pelo que mal me apercebi da minha atrocidade enquanto cidadão fiz marcha atrás e fui buscar a máscara. Ou seja, quem passa por isto, quem é educado a enfrentar o vírus desta forma, tem muita dificuldade em ver as pessoas na Europa a interagirem desprotegidamente, inclusive jornalistas nas ruas ou governantes em diversos eventos oficiais. Os médicos aqui recomendaram o uso de máscara desde a primeira hora, mesmo os médicos portugueses em Macau já alertaram para a importância do uso de máscaras, mas sabemos que a questão é essencialmente de natureza logística. Não há meios para toda a Europa poder usá-las quando muitas vezes nem sequer o próprio pessoal médico as tem em quantidade suficiente. É uma questão puramente económica. O governo chinês permitiu que imensas fábricas se convertessem à produção de máscaras. Por exemplo, inúmeras empresas que antes produziam todo o tipo de têxteis estao agora a produzir máscaras massivamente, de modo que aqui é relativamente fácil adquiri- -las. As autoridades locais até as vendem a preços de produção ou as oferecem caso as pessoas tenham mais dificuldades financeiras. Porque reparem, isto nao é muito agradável de se dizer, mas nesta batalha somos todos suspeitos, mesmo todos. É assim que se abordou e se aborda a situação deste lado porque nenhum de nós pode jurar que não está infectado ou que não é um possível foco de infeção. Partindo desse princípio, que creio ser um princípio sério de respeito para com a epidemia, a máscara impede não só que eu seja contagiado, mas acima de tudo impede que eu contagie os outros. É uma medida absolutmente preventiva. E é também a razão pela qual eu acredito que as coisas já não se descontrolem tanto por aqui. Usar uma máscara só depois de se estar infectado quando já há muitas trancas à porta e já os contactos da pessoa com terceiros estão restringidíssimos, nao é uma medida preventiva nem que impeça a propagação desenfreada. O propósito da máscara não é para que eu não apanhe, é para que eu não transmita. Todos somos supeitos e parece estar provado que a máscara impede que se liberte tanta, digamos, porcaria pelos ares. E aquela história do tocar na boca, etc, não é bem assim porque se uma pessoa tiver cuidados com as mãos (devida lavagem e desinfecção) posso-vos garantir que até uma criança pequena desde que devidamente avisada, sabe que deve evitar ao máximo mexer na cara, na máscara e os procedimenros a ter com ela. Neste momento, eu ou qualquer pessoa que tenha passado por esta luta dentro desta cultura de combate ao vírus, nenhum de nós teria coragem de andar aí a fazer o dia a dia no meio de uns e outros, mais longe ou mais perto, sem uma máscara no rosto. Nem que me pagassem. Todos os médicos aqui sao unânimes em referir o seu papel preventivo. Aí é uma questão de logística e de recursos, e por isso igualmente compreensível. Não é a coisa mais agradável de usar mas uma pessoa acaba por se habituar perfeitamente. E pode-se reusar caso não haja grande interação ou não se use por muito tempo. Pelo sim, pelo não, proteja os outros protegendo a sua boca e o seu nariz. Porque nem só de caretos vivem as máscaras. Cuidem-se bem. Um forte abraço!
Leitor de Português na Universidade de Sun Yat-sen Cantão Guangdong – China