Ler para viver

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Estas três palavras são de um autor francês, Flaubert, que escreveu entre outros Madame Bovary – romance delicioso – e este título bem podia ser escolhido para um club de leitura onde cada um pudesse dizer o seu amor por esta atividade tão importante. Ou para, neste período de férias para muitos, responder à letra aqueles que dizem: Ah! Leria muito mais se tivesse tempo. 
Porquê que se coloca a questão: efetivamente, porquê que é preciso ler? Para nos divertirmos? Para nos distrairmos? Para nos formarmos? Sim, tudo isso ao mesmo tempo, além disso são essas mesmas as palavras de Flaubert: lede para viver, cito: “edificai à alma uma atmosfera intelectual que seja composta da emanação de todos os grandes espíritos. Estudai, a fundo, Shakespeare e Goethe. Lede traduções dos autores gregos e romanos, Homero, Petrónio, Plauto, Apuleio, etc… quado alguma algo vos aborrece, não desistais e insisti. Rapidamente compreendereis, e ganhareis uma grande satisfação. Trata-se de trabalho, faço-me entender?”
Esta carta encontra-se no segundo volume da sua correspondência, com a data de 6 de junho de 1857. Como toda a correspondência de Flaubert, é extraordinária do princípio ao fim. Além do mais, as cartas de Flaubert estão cheias de conselhos, não somente exortações à leitura, mas conselhos mesmo de leitura. Quer se dirija aos jovens escritores: “lede os clássicos. Vós lestes muitos livros modernos e vê-se o reflexo na vossa obra”, carta de 1879. Ou que isso se aplique a si-mesmo: “É preciso adquirir o hábito de ler todos os dias (como um breviário) algo de bom. Isso vai-se impregnando com o tempo. Eu atulhei-me excessivamente de La Bruyère, de Voltaire (os contos) e de Montaigne».  
O conselho de ler «para viver» dirige-se a uma mulher cujo nome sobreviveu graças à sua correspondência com Flaubert, e vai prolongar-se durante 19 anos, a Menina Leroyer de Chantepie. É uma senhora com cerca de cinquenta anos então, que vive em Angers. Não é casada, consagra a sua fortuna a ajudar os mais necessitados, como se dizia na época, é católica mas muitas vezes invadida pela dúvida. E frequenta em Angers os meios republicanos.
Sobretudo, sofre da estreiteza e privações da sua vida e da vida da província. Escreve nos jornais, publica um ou dois romances, vai ver o oceano e alguns espectáculos de ópera. Mas a sua vida surge cheia de tédio. “Se a menina fosse um homem, escreve-lhe Flaubert, dir-lhe-ia: embarque, dê a volta ao mundo!” Mas como não é possível, então “dê a volta ao mundo no seu quarto, leia!” mas leia calmamente, pausadamente, leia e releia, por exemplo Montaigne. “Ele acalmá-la-á”. “Leia-o de uma ponta à outra, e quando terminar, recomece a leitura”. Ler, na realidade é reler.
E então abrir-se-á para si aquilo que “a menina nem imagina: a Terra”. E Flaubert escreve Terra, com maiúscula.
Com efeito, nem podemos imaginar aquilo que se abre para nós quando abrimos um livro. Algo em nós, tão vasto como o universo.
Adriano Valadar