A Guidinha e a Vanessa

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Em Pleno Marcelismo, o romancista, dramaturgo, encenador e apurado gourmet da alta cozinha, Luís de Sttau Monteiro, escreve no suplemento A Mosca do Diário de Lisboa, esfuziantes e aceradas cartas da Guidinha que, num português de lei, zurze sem dó nem piedade a burguesia aperaltada, parola e política do regime a desfazer-se, como o famoso filme O Discreto Charme da Burguesia de Luís Bunhuel iconoclasticamente mostrou. As crónicas/cartas da Guidinha constituem um dos melhores exemplos do poder do humor na praxis política, daí a ira dos salazaristas contra o filho do embaixador e ministro dos negócios estrangeiros do ditador, o Professor Armindo Monteiro. O escritor bon-vivant, amigo e amante da noite, adorava carros desportivos, roupa fina, ceias bem regadas, a estúrdia dos teatros, por isso os deslizes na passagem de cheques sem manta, valendo-lhe zunidos resmungos da esquerda ortodoxa dos comeres e beberes, ataques violentos do sector situacionista do círculo do almirante cabeça de abóbora e da ANP. O estilista gastronómico Sttau, sob a capa do pseudónimo Inspector Gourmet, publicou páginas memoráveis trazendo fama e proveito ao restaurante Cobra de Vila de Rei, dado visitar a Vila na companhia de José Cardoso Pires, pois a mãe deste residente em Fundada convidava-os a irem apreciarem a sua aclamada sopa de feijoca. A Vanessa, pseudónimo estival de Ana Sá Lopes, revolvia tiques, tropeções e traquinices da classe política na chamada estação maluca, os seus graciosos chistes traziam cargas de convulsivo humor, tornando o ambiente menos pesado para lá de relatar as belezas da ilha dos Açores, onde descansava. A Vanessa recorreu à Guidinha a propósito da lorpice de Nuno Santos quando escreveu um texto a dizer da intenção de Costa o demitir, por nás-e-nefas dos gabinetes ministeriais a demissão virou chalaça crocitante, dando azo a críticas a Ana Sá Lopes. Na resposta às bicadas trouxe para a ribalta a Guidinha, calou os crocitos, recordando-me os nossos debates em Trancoso com o Carlos Andrade ao dissecarmos o nó-cego Jules Assange. A Vanessa no seu melhor a zurzir debaixo do manto diáfano da fantasia a nudez hipócrita dos bonzos encartados da nossa praça mediática. Ainda bem!

Armando Fernandes