(IN) FELICIDADE ETERNA

PUB.

Na semana que terminou foi notícia a implantação de um coração artificial. Não se tratando de um coração completo, mas apenas de uma bomba mecânica auxiliar do órgão humano, não deixa de ser um passo importante no bom sentido. É uma questão de tempo e não tardará que seja possível fabricar e instalar numa pessoa que dele necessite, um coração totalmente artificial e autosuficiente em termos energéticos e de manutenção, condição que o equipamento em causa ainda não satisfaz integralmente.
Contudo esta notícia fez-me regressar à crónica da semana passada. Mas antes disso há uma realidade que se apresenta à nossa frente com uma insistência crescente e que não é possível ignorar: estamos todos a transformarmo-nos, lenta e crescentemente, em Ciborgues (cyborg na nomenclatura inglesa original de cybernetic organism). Chama-se ciborgue a uma pessoa em que parte das suas funções são desempenhadas por mecanismos cibernéticos. São já várias as próteses que, com sucesso, podem ser operadas diretamente pelo cérebro. Depois dos pace maker começam a aparecer partes de coração e, não tarda nada, outros órgãos internos começarão a ser fabricados pelos homens para serem incorporados nos corpos de seres humanos. Mesmo hoje já parte da nossa memória e funções de cálculo e registo deixaram de ser executados pelo nosso cérebro e são quase totalmente desempenhados por agendas eletrónicas, máquinas de calcular, individualmente ou integradas nos populares smartphones. Outras funções se sucederão. Com tempo, a maquinização chegará a muitos outros lugares, até há pouco reservadas aos órgão nativos dos seres vivos.
Com a crescente capacidade de substituição de partes humanas que deixaram de funcionar ou não o fazem satisfatoriamente, igualmente estamos a caminhar para a eternidade. No limite, se tudo puder ser substituído, a imortalidade será um facto. Muitas são as questões éticas e de singularidade que se colocam e que poderão ser abordadas no futuro, mas o que interessa agora é saber qual a reação natural a este fenómeno já dos nossos dias. Teoricamente todos estes avanços melhorando e prolongando a vida em boas condições devem ser encaradas como intrínseca e genuinamente boas e carreadoras de maior felicidade.
Mas tal não estará, necessariamente, garantido. Bem pelo contrário. Podem potenciar angústias, stress e sofrimento. A ciborguização será, seguramente, pelo menos nos primeiros tempos, um processo complexo e muito caro. Assim sendo estará apenas disponível para um pequeno grupo de privilegiados, causando tristeza e dor em todos os que dela precisando, não lhes esteja acessível. Por outro lado, sendo possível substituir muitos dos sistemas vitais não será possível evitar de todo acidentes, atentados e desastres que o impossibilitem tornando estes factos (ou a própria existência dessa possibilidade) mais dramáticos e terríficos aumentando exponencialmente a ansiedade antes de acontecerem e multiplicando o dramatismo da sua ocorrência.
Serve pois esta crónica para confirmar a anterior ao provar que até as coisas melhores que o progresso e a tecnologia nos pode trazer não garantem um aumento contínuo e sustentado da felicidade. Podem, pelo contrário, contribuir, de forma esporádica ou continuada, para a sua diminuição.

José Mário Leite