A Europa

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Em tamanino passei vezes sem conta junto de um senhor metido consigo mesmo, de barba rala e hirsuta, todos lhe chamavam Ché, era natural e viveu a maioria da sua existência na aldeia de Lagarelhos, a terra do insólito e onde ainda respira a centenária castanheira cujo bojo acolhia os meninos nas suas brincadeiras de jogos e folganças fizesse sol ou chuva, por isso mesmo mais requestada quando a chuva puxada a vento vindo da serra da Coroa fustigava sem dó, muito menos piedade. Aquele furoco avantajado no tronco da árvore proporcionava confortável abrigo impregnado de silêncio enquanto o resto do rapazio gritava em busca do último escondido do jogo às escondidas. 

Eu não sei se o senhor Ché alguma vez conseguiu ter tempo para brincar numa época de terrível penúria, muito menos se mordiscou castanhas paridas pela imponente castanheira, sei, isso sim, que a fome era regra nas aldeias nordestinas ao tempo, daí a razão de um dia o rapazote Ché disse à Mãe que ia para a então doridamente conhecida dos expedicionários portugueses na I Grande Guerra, a França dos franceses, não a povoação com o mesmo nome situada nas proximidades de Bragança. A mãe em tom de lástima disse-lhe: meu filho a França é longe e lá não há mãe! O moço resmungou: eu não vou às mães, vou ao dinheiro.

Foi sempre assim, reis e desgraçados, princesas e criadas de servir, políticos e obreiros de tudo, de trabalharem de sol a sol, melhor dito – de ver a ver –, vedetas de futebol e operários sempre consideraram a França (entenda-se a Europa) na perspectiva do aconchego, do apoio, do pão de farinha de trigo, das melhores e mais sólidas condições de vida. A literatura desde oitocentos retrata-nos milhentos episódios a comprovarem o acima afirmado, nos dias vigentes todos conhecemos um ou mais casos de aproveitamento interesseiro dos fundos comunitários, a uns garantindo pingues lucros aos especialistas na matéria, a outros (poucos) multas e penas de prisão.

Um burocrata comunitário disse há anos ser tendência dos portugueses usufruir de todas as condições capazes de satisfazerem o seu afã por dinheiro comunitário destinado a gajas e vinho. O antigo Presidente do Euro-grupo em alarde de condenação em linguagem popular considerou esbanjarmos em putas e vinho verde porque o holandês de peixe e seco e fumado não consegue entender a sentença ancestral que nos anima: vale mais um gosto na vida do que cem mil réis na algibeira.

Se ele conhecesse a nossa história da emigração (dos muitos trabalhos publicados lembro os do nosso conterrâneo Doutor Francisco Terroso Cepeda) verificava quão dolorosa sempre foi ao longo dos séculos uma danação para a maioria num cemitério de viúvas de vivos, de olvidos, de sangue, suor e vales de lágrimas, de doridas saudades, também de traições, de desbravadores de matas cerradas, edificadores de cidades, vilas e aldeias e tutti-quanti nesta matéria. O esquálido compatriota de Rembrandt tinha obrigação de saber quantos benefícios a Europa retirou do trabalho insano dos portugueses passados a seco e a molhado por Passadores até chegarem a França, Alemanha, Luxemburgo e Suíça dos relógios pontuais. Alguns passadores ainda estão vivos, muitos homens e mulheres de tão negregados dias. Os senhores responsáveis dos Arquivos, Bibliotecas e Museus ainda podem registar, guardar e interpretar para memória futura testemunhos de uns e outros pois mesmo os pontos negros da emigração para a Europa nos anos sessenta e ainda setenta do século passado são documentos a documentar do nosso historial de vidas de servidão encapotada que a Igreja Católica prestou ajuda, leia-se o Padre Telmo Ferraz.

A Europa está doente, flácida, o único exército a sério é o da foragida Grã-Bretanha, onde os zombis assustam e os demónios recordam os tenebrosos tempos da subida ao poder de homens nazis, fascistas e comunistas. O horror espalhou-se, eclodiram guerras, saldo final de muitos milhões de vítimas. Se alguém duvidar visitem os cemitérios e antigos campos de concentração.

A Europa devia preocupar-nos, nos próximos dias joga-se o nosso futuro e dos vindouros, a campanha eleitoral tem sido centrada «bate e foge» doméstico, a metralhadora falante Pedro Marques brota dos lábios bolas de sabão, Paulo Rangel está atado no jargão das couves de Bruxelas por mais que negue na sua voz de cana rachada, o Dr. Melo debita feitos ao modo de caçador caçarreta especialista de generalidades, Marisa de voz macia borda utopias fracturantes eivadas de nulidades, o Sr. Oliveira discursa rançosamente sectarismo e assegura ser a saída do euro um futuro maná. O advogado/jornalista Marinho e Pinto é a prova provada do desperdício do voto.

Os dados estão lançados, dentro de cinco dias vamos votar, pese todas as deficiências do Parlamento Europeu é órgão de poder a preservar cabendo aos votantes defendê-lo dos seus inimigos de dentro e fora. Cabe-nos escolher, para lá das convicções de cada um não podemos deixar aos outros a escolha por nós. A Europa é o berço da civilização Ocidental, o amanhecer da tolerância ocorreu neste continente, o ideal democrático também, o saldo é francamente e fortemente positivo, por assim ser votarei alegremente.

Eu não sei se a multidão de candidatos possuem uma ideia de Europa comunitária na sua dimensão geográfica, história e cultura, também desconheço os critérios de selecção da maioria dos partidos, no entanto, apesar de muitos deles serem homens sem qualidades para a função podem possuir o mérito de convencerem os nossos concidadãos a não se absterem. Se assim acontecer, pelo menos, tiveram esse mérito!

Armando Fernandes