A espada e o seu simbolismo

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É uma espada pregada ao chão, na vertical, como a espada do rei Artur, apelidada por esse motivo “Excalibur”. Descoberta em 1994 em Valência, em Espanha, numa fossa numa casa do bairro La Seu, perto da catedral do sec. XIII, ao norte do antigo fórum romano, centro antigo da forte atividade urbana da época. Esta espada revela-nos a importância de Va- lência enquanto ponto de confluência cultural sob o reino muçulmano em Espanha, durante a era de Al-Andalus, um período em que a Andaluzia era o grande cruzamento das culturas europeias e muçulmanas. Foram pre- cisos mais de trinta anos para que esta nos desven- dasse o seu segredo. Uma espada, é um mito, sem- pre. Símbolo da força, do poder, e da cavalaria. Ilus- tra a prerrogativa real em matéria de direito e serve como instrumento de jus- tiça, utilizada aquando dos rituais fundamentais, tais como as cerimónias de ordenação na cavalaria ou na coroação, entre outros. Imagem duma função, que pode ser também a duma nação. A espada é o primeiro dos utensílios que os homens fabricaram exclusivamente para se matarem entre eles, desde a idade do bronze, por volta de 1700 antes da nossa era, mas muito posterior às lanças, flechas, destinadas à caça ou ao combate à distância. As análises acabaram por revelar o seu veredicto e mostraram que essa espada teria pertencido a um cavaleiro muçulmano do tempo de Al-Andalus, testemunhando precisamente desse período muçulmano da cidade, que se chamava então, Balansiya. Graças à estratigrafia, a espada em ferro pôde ser datada com toda a precisão. Situava-se nas duas camadas sedimentares correspondentes ao sec. X da nossa era, ou seja, no período em que a cidade estava sob domínio mu- çulmano. Segundo os especialistas geógrafos e historiadores, as armas, armaduras e equipamentos militares de todo o tipo; como escudos, espadas, esporas, flechas, selas, freios, e outros arreios das fábricas de Al-Andalus superavam os de quaisquer outras regiões do mundo. Extensão do corpo do cavaleiro, e figura tanto espiritual quanto física do seu poder, a espada ressurge numa matriz de ferrugem perfurando os séculos como um objeto fantasma dum período altamente idealizado. Com efeito, foi muito exaltada e embelezada a benevolência que Al-Andalus demonstrara em relação às minorias religiosas. Estas foram regularmente vítimas de discriminações, até de perseguições. Eu penso e consigo imaginar e ver esse cavaleiro muçul- mano desaparecido (em que combate?) deixando atrás de si o símbolo do seu prestígio efémero. No poema épico, A canção de Rolando – um palimpsesto da literatura francesao herói evoca o amor pela sua espada e nem uma única palavra é proferida sobre a sua amada Aude; a mesma, morre quando lhe é anunciada a morte do seu bem-amado. De que espécie de violência a espada transporta o nome? No Alcorão, o Profeta disse: “Eu sou o Profeta da espada”. Alguns séculos mais tarde, a espada que foi descoberta parece colocar-nos a mesma questão. A que tipo de armas continuamos nós a sacrificar ainda a vida humana? As nossas conquistas sangrentas acabarão na finitude da poeira ácida dos solos, deixando para trás os restos corroídos e carbonizados das nossas derrotas assim como das nossas vitórias.

Adriano Valadar