Entre a Vida e a Morte

PUB.

Quantas vezes, por pura graça, fizemos ou respondemos à pergunta "o que farias agora se morresses amanhã?". Quase sempre a resposta foi extravagante - uma festa de arromba; uma refeição com comidas exóticas; uma orgia. Viagens para sítios paradisíacos está fora de questão, ou íamos morrer dentro de um avião, uma chatice. E passar as últimas horas no check-in. Porque nos parece mais extravagante morrer do que estar vivo. É como que estar vivo seja uma coisa de menor importância e morrer algo fora da caixa. A morte é tão pouco tangível. Viver parece tão adquirido, tão normal. Mais estranho é receber a notícia da morte de alguém. Não ligamos a ninguém para dizer "olha, fulano continua vivo hoje". Mas talvez devêssemos. Já diz o saber popular que a morte é o que temos mais certo. Ainda tenho alguma esperança, confesso, de que a Morte se esqueça de mim e me conserve, por engano, jovem e com saúde. Ainda que saiba que vai acontecer, falecer não está, de todo, nos meus planos próximos. Isso é que me dá liberdade para adiar tarefas, evitar resolver problemas prementes e ignorar o que me traz sofrimento. Isto porque, à partida, haverá uma Tânia do futuro, provavelmente amanhã, que irá lidar brilhantemente com tudo o que escolho agora deixar cair. E, se não fosse assim? Iria partir para o Além com assuntos mal resolvidos, deixar um rasto entre a Vida e a Morte como quando pisamos pastilhas elásticas derretidas na rua? Sim. Vocês não? Vivemos como se fôssemos eternos. Carregamos mágoas e coisas pendentes anos e anos. Escolhemos assim. É mesmo isso. Uma escolha. Não dizemos o que queremos dizer, andamos a cozinhar tudo em banho-maria. Ignoramos sentimentos, anseios. Deixamos tudo para "um dia", seja lá quando isso for. Porque nos fitamos nas estatísticas da esperança média de vida, o que, a correr bem, ainda dá uma folga para sermos politicamente correctos e agir sempre de acordo com a razão e o que é "melhor assim". Ou acham que, havendo algo do lado de lá do véu, nos podemos juntar, ocasionalmente, pelo menos, para tratar do que não tratamos em vida? Vão ficar no ver para crer, não é? A Humanidade tem reflectido muito pouco sobre esta questão, de que a distância entre a Vida e a Morte pode ser mais curta do que o que supúnhamos. Tempo extra para viver poucos terão. Investimos mais frases feitas: "Vive cada dia como se fosse o último". A sério? Foi o que pensaram ontem, enquanto viam séries que nem gostam na Netflix, só para passar (desperdiçar?) o tempo? Também por graça, já pensei bastante no que quero que diga o meu epitáfio. Desde as brincadeiras "Eu avisei que estava doente", "Não deixem flores, sou alérgica", "Morri, a sério?", "Finalmente, vou poder dormir mais de 8 horas", entre outras que, se escrevesse aqui, me iam proibir de continuar a escrever para o Jornal, a algo mais sério como "Aqui jaz Tânia Rei, uma pessoa feliz". Se pudesse pedir para escrever isso, sem mentir, sem ressentimentos e com todos os meus assuntos resolvidos, então a passagem por aqui teria valido a pena e estava, de facto, na hora de partir.

Tânia Rei