A engenharia e a decisão política nas autarquias

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A engenharia desde sempre deu um importante contributo para a modernização do país, destaco o trabalho nas autarquias onde, nas últimas décadas foram inscritas marcas bem visíveis de progresso, de atratividade e de modernidade em todo o território nacional. A presente reflexão sobre a relação entre a intervenção técnica e a decisão política nas autarquias, baseia-se em dois princípios, o da existência de uma relação forte de confiança no conhecimento, e o da prevalência da decisão política democrática. Reflexão orientada para os desafios da formação avançada de capacitação e liderança técnica, com o propósito de apoiar melhores decisões políticas, no sentido do engrandecimento e desenvolvimento das autarquias e suas comunidades. Faço uma introdução aos novos desafios que exigem maior formação individual e o reforço da capacitação institucional, e concluo com uma proposta de valorização da engenharia municipal, para uma melhor gestão técnica e política das autarquias. Desde sempre, a engenharia respondeu aos desafios de desenvolvimento da humanidade, como profissão transversal que é, inovando e construindo obras monumentais, projetadas pela engenharia militar e civil, sempre com olhar no futuro, testemunho do conhecimento, da arte e capacidade de realização humana, no impulso de progresso dos povos. Perto de nós, na ponte romana de Alcântara, sobre o rio Tejo, foi escrito na pedra, “a ponte durará para todos os séculos do mundo”. Portugal foi no século XV e XVI, um exemplo de capacidade de inovação e de conhecimento, o que lhe deu vantagem na indústria naval, no armamento e na cartografia, e assim, alargar horizontes territoriais e comerciais, dominar as rotas marítimas do comércio entre a Europa e o Oriente, marcando a história como país pioneiro da globalização Grandes inovadores, cientistas e construtores têm através da engenharia apoiado o progresso da Humanidade, sendo notáveis as realizações da engenharia na conceção e construção das cidades, das infraestruturas de comunicação, dos sistemas de apoio à produção agricultura e industrial, acrescentando no presente, o desenvolvimento da biotecnologia, da nanotecnologia, da inteligência artificial, e da conquista espacial. Os desafios da Engenharia do futuro são muitos, refiro três: i) a manutenção e reabilitação das construções existentes para garantir a sua segurança e funcionamento; ii) a criação de condições sociais, económicas e infraestruturais para acolher o crescimento exponencial da população a nível planetário; iii) a transformação do modo de vida e das atividades económicas, no sentido de reverter as alterações climáticas. A engenharia lida cada dia com áreas de conhecimento mais avançado, aplicando-o de forma intensa na exploração de recursos naturais, na conceção, construção e operação de utilidades ao serviço do bem-estar da humanidade, fá-lo a um ritmo cada dia mais acelerado. A grande interrogação é a de saber se o faz no caminho certo, o da harmonização do crescimento da humanidade e das suas necessidades, com a garantia de preservação da biodiversidade e sustentabilidade futura da vida na Terra. A engenharia portuguesa estará, como sempre, na primeira linha dos desafios das autarquias e do país, neste sentido é necessário e inteligente, que na decisão política, se valorize e aproveite o potencial de conhecimento e de saber fazer da engenharia portuguesa, tão reconhecida e valorizada, em partícula nos países mais desenvolvidos. O profissional de engenharia, obriga-se a princípios éticos exigentes, sabe que a mão de quem pensa, deve apertar a mão de quem faz, para que a experiência do saber, e o saber de expe- riência circule nos dois sen- tidos, num processo aberto, em que o pensamento, a descoberta, a execução e o escrutínio de quem utiliza, se articulam no caminho de desenvolvimento que serve o bem comum e a boa utilização dos recursos públicos, princípios que muito bem se aplicam à engenharia municipal. O engenheiro sabe, que o diploma académico da mais sólida e abrangente formação, não é mais do que uma autorização para com êxito profissional iniciar a carreira, que não dispensa que se continue a estudar, para enfrentar os desafios correntes e sobretudo para compreender e enfrentar os desafios das grandes tendências globais que geram mudanças na sociedade, a que são chamados a responder, como: os desafios das alterações climáticas e os fenómenos climáticos extremos; a globalização; o forte crescimento e urbanização da população à escala mundial, que exige mais recursos como: água, alimentos, energia, matérias primas raras; mais espaço urbano; mais mobilidade; mais saúde; mais educação, etc. A emergência climática e a crise ecológica em que a humanidade se encontra, coloca-nos o grande desafio da transição para uma economia verde, descarbonizada, o que exige avanço exponencial da inovação e da tecnologia, num ciclo intenso de mudança, na indústria, nas atividades humanas em geral, no mercado de trabalho e nas profissões. A engenharia, da mais avançada na investigação e inovação tecnológica, até à mais operacional, é protagonista ativa na primeira linha desta mudança, na defesa da qualidade de vida e bem-estar para todos os povos, lutando contra a fome, pela paz e pe- los direitos humanos, pela primazia da educação, pela sustentabilidade na defesa dos ecossistemas e das múltiplas formas de vida no planeta. Temos pela frente uma corrida de fundo, enfren- tando problemas globais que afetam a Casa Comum: o aumento da temperatura global; catástrofes meteorológicas e climáticas devastadoras, como secas extremas e inundações, que provocam prejuízos enormes em infraestruturas, em construções humanas diversas, degradam amplas parcelas dos territórios, provocam migrações climáticas, tão expressivas como as provocadas pelas guerras, provocam a pobreza e a insegurança dos povos. Obrigamo-nos a construir uma outra realidade, de sustentabilidade da vida no planeta, de esperança, entendida como o sonho do homem acordado, que cria, investe, executa, usufrui e harmoniza a sua interação com a natureza. A engenharia está nesta corrida, é a primeira das profissões com responsabilidades nas soluções para uma mudança positiva. Quem toma decisões políticas, e tem cons- ciência destes desafios, não deixa de valorizar o conhecimento e capacidade de resolução da engenharia. O país está comprometido com esta mudança, para isso necessita de melhor administração pública, de melhores políticas, de mais conhecimento, mais inovação e tecnologia, o que coloca em destaque a engenharia nas suas múltiplas áreas de formação. Não é irrelevante, pelo contrário, o desafio de alinhar os investimentos com os objetivos inscritos no Pacto Ecológico Europeu, que visa a mudança de modelo económico e alcançar a neutralidade carbónica até 2050, investimentos que abrangem o clima, o ambiente, a digitalização, a energia, os transportes, a indústria, a agricultura, o financiamento sustentável. Compromisso que exige, densificar a visão de futuro, nas regiões e no país, isso faz-se com estudo, reflexão, conhecimento, processo em que a política por si só não é suficiente, como o estudo técnico não domina variáveis essenciais, de responsabilidade política, emanadas através das instituições do Estado, das quais deveremos legitimamente esperar, boas decisões políticas e eficaz uso dos recursos, ao serviço do bem comum, e de um modo geral, tal exige o apoio de fundamentadas propostas técnicas e administrativas. As boas decisões políticas, se apoiadas em fundamentadas propostas técnicas e administrativas, fomentam a qualidade e o bom governo das instituições, públicas ou privadas, o que é essencial para o desenvolvimento das sociedades. As Instituições bem geridas servem o bem comum, promovem o progresso da sociedade, otimizam recursos de forma inteligente, sustentável e inclusiva, dignificam a função de governo e promovem a confiança dos cidadãos. Instituições menos bem geridas, funcionando sem rumo, desbaratam recursos, hipotecam o futuro, quebram o esforço e o entusiasmo dos seus colaboradores e a confiança da comunidade. Dispor de um mapa indicando o rumo para a instituição, é melhor do que não dispor de mapa nenhum, e caminhar à deriva, princípio que serve tanto para a área política como para a área técnica, em particular no contexto de decisões estruturantes. Cada autarquia, deve ter a sua própria visão de pensamento global e ação local, assente numa razão de ser própria, identitária e cultural, que assegure, nas diferenças de orientação dos ciclos políticos democráticos, de escolhas e de prioridades, de planeamento e de ação, no que é fundamental ao desenvolvimento concelhio, que em cada ciclo de gestão se valoriza o anterior, e acrescenta o património material e imaterial na transferência para o ciclo seguinte. A qualidade do investimento em infraestruturas, as competências associadas ao trabalho, a inovação, e a qualidade das instituições, são pilares de uma boa estratégia de desenvolvimento, capaz de deixar boas marcas. Isso exige uma boa visão de política pública, mas também o apoio de uma elevada qualificação da estrutura técnica e administrativa da autarquia, o que resulta numa melhoria das instituições, na obtenção de melhores resultados, e na conquista da confiança dos cidadãos. Os bons políticos não cometem o erro de pensar que quase tudo está a iniciar, esquecendo os ciclos anteriores, no que representam de melhor e de pior, e que todos os serviços podem ser externalizados, continuando a esvaziar de competências as organizações. Devem preocupar-se: com a estrutura técnica e a sua qualificação; com a atualização de conhecimentos; com a remuneração e progressão na carreira; com a melhoria das condições sociais de trabalho. Ter presente que cada colaborador e cada profissão são importantes, são a alma das organizações, que é necessário dirigir com respeito e inteligência, disso beneficiando os bons resultados que promovem o desenvol- vimento dos municípios, e da administração pública em geral. E lembremos que muitos dos bons resultados se devem ao trabalho árduo e discreto dos técnicos em geral, nem sempre valorizado, e em particular aos engenheiros municipais que por regra ficam em posição um pouco discreta, quando, pelo contrário, o seu trabalho deve merecer elevado reconhecimento. Sabemos, por princípio, que a boa decisão política deve apoia-se em propostas técnicas claras e bem estruturadas, na resposta aos desafios que os territórios e as cidades enfrentam. Na teorização dos conceitos, na conceção, no planeamento e execução, o trabalho dos engenheiros é essencial para a transformação do sistema urbano, construindo cidades verdes, digitais e resilientes, com capacidade de sobrevivência e de se reerguer em situações adversas, seja de que natureza for. É na base das competências técnicas avançadas, no sistema de governação robusto e inteligente, nos quais os cidadãos confiem, que se deve construir o futuro para todos, no espaço urbano e no espaço rural. Uma Sociedade Justa exige boas decisões políticas, que naturalmente se fundem com os bons estudos e as boas propostas técnicas que servem o bem comum. São exigentes os desafios da engenharia, como: preservar e gerir os escassos recursos hídricos utilizáveis, fundamentais à vida humana; a transição energética; a digitalização, a inteligência artificial e os sistemas de segurança; os sistemas de ensino e formação; os sistemas saúde e infeções com potencial pandémico; as políticas inclusivas, de coesão e de competitividade; as redes para a cooperação e a internacionalização; as catástrofes meteorológicas e climáticas; o combate à poluição do ar que respiramos; o planeamento das atividades comerciais e industriais, e oo ordenamen- to agrícola e florestal. Nas cidades temos desafios específicos, onde se destaca a reabilitação urbana do edificado e do espaço público, de um novo urbanismo bioclimático, com o particular desafio da adaptação ao aumento das temperaturas médias e de picos de calor, a saúde e a qualidade do ar que respiramos, a reabilitação do espaço urbano e o incremento da mobilidade do futuro, já em desenvolvimento, com investigadores em todo o mundo a testarem soluções avançadas, cidades a implementá-las, numa revolução que progride em várias frentes. A visão política não pode ser a de preservar o poder, sim a de dar impulso positivo ao desenvolvimento da comunidade, isso requere inteligência, estudo, trabalho com equipas de elevada preparação técnica, proximidade aos cidadãos. Neste quadro de mudança, é necessário fortalecer a cultura de serviço público, de cidadania e do bem comum, do bom governo das instituições, da qualidade dos planos de ação, do financiamento e prioridades, porque os recursos não são infinitos e podem não chegar para acudir a todas as emergências. Tudo isto se faz com conhecimento e competências mais avançadas da engenharia nas suas diversas especialidades, num mercado laboral em mudança, mais inovador e tecnológico, mais competi- tivo e de maior mobilidade global. Os desafios da economia e das cidades do futuro, exigem melhor formação, mais competências, uma clara aposta na engenharia, na valorização das carrei- ras técnicas na administração pública, com melhores remunerações e melhores condições sociais, valorizando competências dos jovens para fixar quadros qualificados, e poder concorrer com mercados externos mais atrativos, que tanto valorizam as formações dadas por algumas escolas de ensino superior em Portugal. A engenharia nas autarquias deve assumir uma posição mais afirmativa e de maior visibilidade, compatível com o papel único e transversal que ocupa, e dos desafios a que é chamada. Lembremos o trabalho excecional alcançado pela engenharia nas mais variadas áreas, só possível com dedicação, mas sobretudo com o conhecimento e valor que acrescenta à decisão, incluindo à decisão política. Para isso, em face do ciclo de mudança positiva que se espera, e do ritmo a que acontece, exige-se mais do que a formação de base académica e de atualização corrente de conhecimentos, sendo necessário que aos engenheiros das autarquias e da carreira pública, que o pretendam, seja assegurada: i) formação técnica avançada, nos temas dos grandes desafios globais que marcam o futuro, ao nível de pós-graduação ou doutoramento; ii) As instituições públicas, obrigarem-se a garantir progressão na carreira e na remuneração, através de uma carreira especial de engenharia; iii) as áreas de formação serem estritamente focadas em meia dúzia de áreas estratégicas de desenvolvimento dos municípios. A operacionalização de um programa de formação avançada de capacitação e liderança técnica e institucional, poderia ser garantido através de uma parceria Institucional, para definição das áreas estratégicas de formação, envolvendo a Ordem dos Engenheiros, a ANMP, Universidades aderentes e alguma outra entidade relevante. A formação seria assegurada via partilha de recursos entre universidades, que titulariam as correspondentes formações ao nível de pós-graduação e de doutoramento. Este tipo de formação estaria num patamar superior, em nada colidindo com as importantes e muito úteis formações, dadas em áreas de formação obrigatória ministradas em formações de curta duração por parte da Fundação FEFAL, no subsetor da administração local. Nota: Intervenção feita nos Paços do Concelho de Lisboa, dia 22 de setembro, no I Encontro Nacional de Engenheiros Municipais e da Carreira Pública

Jorge Nunes