Educação

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Bons dias, caros amigos. Amigos e amigas, bem subentendido. Hoje em dia arrastam-se as regras da língua para servir os propósitos destes nossos dias pós-modernos em que tudo tem de ser dito com as devidas pinças e ressalvas. Há quem considere amig@s mais inclusivo, há quem prefira usar os dois géneros e talvez inventar um terceiro, enfim, a imaginação e os gostos são variados e infindáveis. Nesta matéria, eu prefiro deixar a língua portuguesa como está e falar por si mesma (com redundância e tudo), até porque na língua portuguesa o género masculino tem essa dimensão abrangente porque absorveu, digamos assim, o género neutro do latim. Ou, se preferirmos, o género neutro, talvez por conveniência e economia linguística, foi incorporado no género masculino, embora ainda se avistem algumas reminiscências como isto, este, esta, ou isso, esse, essa, entre outras. Mas não foi de educação no sentido dos conhecimentos linguísticos de que vos vim falar. Antes de mais, nem vos perguntei pela saúde. Espero que estejais bem e que o Outono vos traga boa-ventura e ouriços em quantidade e bem pesados. Hoje vim falar de educação e da sua importância, embora o objetivo inicial fosse o de dedicar palavras de apreço ao contributo que os militares têm dado ao nosso país. Num país ainda com uma crónica aversão a fardas e a disciplina, fruto dos efeitos pós-traumáticos que perduram das largas e cinzentas décadas de regime fascista, temos a sorte de ter do nosso lado grandes militares que nos dão a mão com grande perspicácia, coerência e um inabalável sentido de missão ou dever cívico sempre que deles precisamos. Só no decorrer do Portugal mais contemporâneo escolho três nomes demonstrativos da qualidade e distinção dos nossos militares: Salgueiro Maia, nome maior dos capitães de Abril, homem cuja determinação e coragem fez carburar uma revolução e que, pela integridade de não querer nada em troca nem de tomar partidos, acabou semiabandonando por entre as recentes brumas da memória. De seguida, o ex-Presidente Ramalho Eanes. Um presidente-militar num tempo em que presidir um país com ânsia de tudo por ter falta de quase tudo, com pressa de deixar de ser terceiro-mundista, constituía uma autêntica, diária e minuciosa Task Force onde não havia ainda escolinhas de presidentes patrocinadas pelo comentário televisivo nem selfies para sustentar popularidades. Ser presidente não era ser-se popular nem o confortável passeio que é hoje. Por todas as grandes qualidades que soube colocar ao serviço do equilíbrio e da sustentabilidade que o país tanto precisava, qualidades essas que sempre demonstrou ao longo da sua vida, o ex-Presidente Ramalho Eanes é e será sempre das pessoas mais admiráveis e insignes da nossa sociedade. O último nome que escolho é o Vice-Almirante Gouveia e Melo. Ninguém sabe bem o que é um vice-almirante, mas todos reconhecemos a hombridade e sucesso com que este homem liderou, contra alguns ventos e marés, um processo de vacinação no meio de uma pandemia. A sua obra é recente, mas não menos digna de reconhecimento e agradecimento. Todos estes citados militares não nos pediram nada, no sentido de terem sido eles a querer assumir um papel de destaque, nem quiseram mais do que cumprir a missão que lhes atribuíram. Temos os melhores desportistas do mundo, mas também temos militares com os quais nos devemos orgulhar, com formação, sensibilidade e princípios para responder e assumir da melhor forma quando o país necessita deles. Este artigo era para se chamar “oficiais e cavalheiros” e discorrer sobre a preciosa mão que os militares deste país tem dado ao Portugal contemporâneo. O denominador comum destes homens é a educação. A educação, a formação superior, humana e académica, que fez parte da vida destes militares e que contribuiu para que se tornassem grandes homens para grandes missões. Educação, é também o título do livro que acabei hoje de ler e que, a talhe de foice, me virou um pouco o tema da crónica. Um livro de memórias ou autobiográfico de uma cidadã norte-americana que cresceu num meio demasiado improvável e insólito para ocorrer nos dias de hoje. No seio de uma família Mórmon, encrostada no sopé de uma montanha do Idaho, com uma visão do mundo vincadamente peculiar e apocalíptica. A jovem cresceu naquele meio sem conhecer uma escola, um hospital ou um bilhete de identidade até aos seus 17 ou 18 anos. Uma família onde, ainda hoje, os partos continuam a ser feitos em casa e as doenças por mais sérias que sejam são tratadas à conta de ervanária e fé na providência, não tanto por motivos estritamente religiosos, mas sim por uma construção muito própria, ameaçadora e paranoica do mundo em redor. Apesar do tardio começo académico, a pessoa que nos conta a sua inusitada vida conseguiu chegar aos corredores de Cambridge e Harvard, graduando-se e libertando-se das suas restritivas correntes. Aquilo que permite que esta jovem mulher nos conte a sua história e que a sua vida não se tornasse como a dos seus irmãos que continuam a viver num meio tétrico e a perpetuar as mesmas verdades quasi-medievais por entre os seus congénitos, é precisamente, tal como a própria autora sublinha, a palavra que intitula, mas também que termina e coloca uma última pedra nas mais de 300 páginas de uma vida psicoticamente verosímil: educação. A educação é a arma mais libertadora que existe. A educação, em sentido lato, do conhecimento do mundo de maneira a que possamos antever e acreditar em novos mundos e poder ir além das amarras e correntes do nosso próprio. Poder extrapolar o mundo que nos foi destinado. Negar a educação é atrofiar, aprisionar, matar. A educação abre portas, desbrava caminhos, é um valor maior, superior. Eu nutro gratidão por ter crescido num meio familiar e num tempo histórico de uma sociedade ou de um país em que o acesso à educação me foi permitido, facilitado, privilegiado. Necessitei apenas de fazer a minha pequena parte para alcançar os valores e princípios que dela podemos recolher. A todos os muitos cidadãos do mundo, novos e velhos, femininos e masculinos, enclausurados, cativos ou privados deste bem, que a educação entre de alguma forma nas vossas vidas e que vocês a consigam agarrar seja como for. O sonho comanda a vida, a educação permite o impossível, sonhar com liberdade, corporizar os sonhos. Educação e liberdade. Um abraço fraterno!

Manuel João Pires