PUB.

Dos livros e da política a nordeste

PUB.

Houve um tempo que comprava livros por necessidade de dar resposta a interesses no âmbito do conhecimento, ou das atividades de lazer. Quando percorro a minha biblioteca acompanho, paulatinamente, a minha vida, como num filme antigo e regresso a cada lugar, a cada atividade como se fosse outro, plasmado nos livros e na diversidade dos interesses.
Lá estão os livros da instrução primária e o menino da mocidade portuguesa que marcha galhardamente, os livros de poesia, na nostalgia consentida da adolescência, os livros de todos os saberes escolares, os livros de filosofia, de sociologia e política, de quase todas as áreas do conhecimento, da criação de canários, de jardinagem, de raças de cães, de eletrónica, de cuidados de saúde, romances de todos os gostos, ensaios, enciclopédias inúteis, investigação científica, tratados, panfletos, jornais e revistas. Lá estão imensos livros de escritores de circunstância que não quiseram deixar de escrever um livro, plantar uma árvore, fazer um filho. E lá estou eu, humildemente, com os meus sete livros publicados, com os meus trabalhos científicos e sobretudo com uma infinidade de textos para jornais, revistas e sobretudo para intervenções em congressos, convenções, campanhas eleitorais e outras miudezas inúteis no âmbito da política.
Agora, estou aposentado e já tenho tempo para tudo, até para a reflexão do devir histórico, do homem na sua breve passagem pela vida onde tudo é “vanitas vanitatum et omnia vanitas”, “vaidade das vaidades, e tudo é vaidade”. A aposentação é o descanso merecido, a altura da reflexão, de apurar saberes e de vivermos em paz connosco e com os outros.
Durante muitos anos estive na política ativa, dirigente local, na crença maior da cidadania e das mudanças, sobretudo para um distrito que morre paulatinamente. E é curioso olhar para o presente e verificar como outros jovens se perfilam para as tais mudanças adiadas, para as revoluções mil vezes pensadas e a história repete-se. Umas vezes acerta-se, outras vezes não. E é com agrado que verifico e só a título de exemplo, como o partido socialista local se renovou. Com a saída de Mota Andrade da presidência da Federação distrital, os novíssimos dirigentes partiram para a renovação. Duma forma cirúrgica conseguiram que antigos dirigentes, de longos anos, passassem à sua condição de militantes de base. E isso só bem provar que ninguém é insubstituível e que os partidos têm capacidade de se renovar e renovar os seus quadros. Contudo, na antiga Grécia eram os idosos que governavam a cidade.
Por isso, o partido socialista local aparece renovado, mesmo com alguns militantes que há alguns estavam, mais ou menos, afastados das lides partidárias, por isso, tiveram tempo para refletir, estudar, encontrar soluções para agora darem um contributo maior à dinâmica partidária e sobretudo um contributo importante para o desenvolvimento sustentado da região, combatendo o flagelo duma enorme região desertificada.
Quem está na política tem que ter este sentido maior de servir, sem se servir, de prescindir de ganhar milhões, de resistir ao fascínio das negociatas, de combater o bom combate em prol dos cidadãos e da “polis”, de servir como “general”, ou como “soldado raso”, de fraternalmente estar perto da região sem se deixar fascinar pela “luxúria” do poder.
Por isso, estou expectante. Esta nova equipa renovada, refrescada, do PS saberá mobilizar pelos afetos os militantes de base e os simpatizantes, para dar uma resposta eficaz aos grandes combates que se adivinham. Não é importante ganhar eleições pelo prazer lúdico de estar contra alguém, mas sobretudo pela possibilidade de devolver a felicidade e o bem-estar aos habitantes das cidades, vilas, e sobretudo das nossas aldeias que habitam nos longos silêncios, na memória de outros tempos, que todos os dias enxugam as lágrimas do desgosto das imensas partidas em tempo de emigração, assistem à derrocada do casario e esperam que os filhos regressem pelo natal, enquanto falam de memórias à soalheira e o poder de Lisboa espera que o último vizinho vá a sepultar para encerrar a aldeia. E eu sei do que estou a falar, não por ler jornais, não por filosofar na Praça da Sé, não por ir a conferências, seminários e convenções com ilustres estudiosos vindos de longínquas paragens, eu sei do que estou a falar porque habito numa pequena aldeia transmontana e cada vez somos menos e qualquer dia já não tenho vizinhos para jogar uma “suecada”, ou para andar as cruzes, ou dizer, tão-somente, hoje o dia está bom.

Fernando Calado