Em tempos antiquíssimos o ter acesso à sabedoria era um privilégio e um segredo guardado, na maior parte dos casos, na penumbra conventual, nas bibliotecas e universidades sacramentalmente protegidas e reservadas.
A filosofia e o conhecimento científico partilhavam fronteiras ténues com práticas exotéricas, com artes iniciáticas e com o dom da análise do presente e da previsibilidade do futuro.
Na atualidade, com a democratização da escola, o saber e o conhecimento tornaram-se acessíveis ao comum dos mortais desde que tenha vontade e se dedique ao estudo e à investigação. Contudo, depois da revolução de abril criou-se uma grande apetência pela atividade política, como forma de mobilidade social, em detrimento do conhecimento e da cultura.
E assim, a classe política, no imaginário de muitos, perdeu o encanto e o recato de alguém que está atento ao bem-estar da sua “polis”, da sua cidade, para se tornar numa classe à parte, visionária e detentora de novas sabedorias e artes que não são partilhadas.
Esta nova classe política também se deve ao facto de se confundir política como ciência, análise e ação, com a discussão de bairro onde o político se assume como privilegiado conhecedor de um jogo que se desenvolve no enredado xadrez da vida da cidade, dos partidos, das instituições, ou das autarquias.
Contudo, a política é outra coisa, é universal e de acesso necessário e obrigatório a todos os cidadãos que vivem em comunidade que partilham interesses, têm direitos e deveres.
O político é um estereótipo construído pelo imaginário. O homem político é alguém que vive, que trabalha, que sofre e tem alegrias e tristezas que se interessa pelo mundo que o rodeia e entende que a sua casa faz parte do todo da política universal.
E muitas vezes a política deixa de ser somente razão para ser emoção nas recordações de tantos cidadãos que olham para a sua aldeia, ou para a sua cidade e não a reconhecem porque se perdeu nos enredos do progresso que não soube preservar as memórias, a alma, a vida e o sentir de tantas gerações.
E a política também é feita por aquele idoso que se lembra da fonte que existia à sua porta e que tinha água fresca no verão e quente no inverno e foi demolida na urgência da construção dum prédio de sete andares.
E a política também é feita pelo escritor que regista em livros uma cidade que vive os ciclos do tempo, das tradições e das memórias
E a política também é feita por toda a gente que sem saber porquê se deleita na contemplação dos granitos trabalhados com paciência e perduram nas fachadas das velhas habitações e sente uma nostalgia de morte na pressa de se construir sem graça e sem beleza na padronização do betão.
E a política também é feita da tristeza de ver alterar edifícios seculares, com magníficos azulejos, para se construir um novíssimo museu com paredes alvíssimas de “pladur”.
Vivemos num tempo em que o tempo conta e por isso a “polis” é o reflexo duma civilização construída para hoje, sem grandes preocupações de futuro.
Mas como diz Antoine de Saint-Exupéry: “eu cá se tivesse cinquenta e três minutos para gastar, punha-me era a andar muito de mansinho à procura de uma fonte.”
Do tempo e da política a nordeste
Fernando Calado