Debaixo da Lua

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Bons dias estimada e bela gente. Que estas palavras vos encontrem de boa saúde e que Maio granaio tenha dado as boas vindas às andorinhas e aos dias compridos com fins de tarde quentes já que este ano parece estar a deixar tudo para mais tarde. Diz que nem as cerejas vão chegar a tempo das feiras e das festas que as celebram. Pois é, este vosso e modesto escriba tem andado atarefado entre trabalhos e estudos, leituras e investigação, uns sítios e outros. Depois do ano novo chinês ainda não nos tínhamos encontrado. Parece que este é o ano do macaco, que costuma trazer fortuna e boas oportunidades. Se assim for, tanto melhor, de qualquer modo se o ano não for macaco já é bom o suficiente. Ultimamente tem-se falado muito da Ásia e da China em concreto, por várias razões, umas melhores que outras, embora a maioria ande em redor do mesmo. Investimentos nas instituições públicas, bancos, imobiliário hotelaria, propriedades, etc., até o tão nosso sagrado e profano futebol. Ao contrário do que se possa pensar, obter um dos nossos vistos gold, em termos económicos, não é particularmente inacessível. 500 mil euros por um imóvel, a via mais comum, não é muito caro para a classe alta nem sequer para a classe média um pouco mais desafogada. Conheço duas mãos cheias de cidadãos que os têm, já ensinei português a alguns, e conheço muitos mais que não os tendo se admiram com o quão alcançáveis, digamos baratos, são esses vistos. É um país de disparidades, bem certo. Grandes, enormes, já aqui falei disso, mas o que é certo é que se não fosse alguma burocracia pelo meio teríamos certamente uma incursão ainda mais massiva. O que interessa aos chineses não é o clima nem ter o seu cantinho à beira mal plantado, até porque se há coisa que detestam é bronzear-se, mal surgem dois raios de sol e escondem-se debaixo das sombrinhas para manter a alvura da pele, padrão de beleza das mulheres. Pele morena era sinónimo de trabalho, no campo. Um padrão aristocrata, portanto. Mas voltemos ao financeiro, o que interessa aos chineses é o visto propriamente dito. Um documento que lhes permita uma liberdade quase total por entre o discutido Espaço Schengen. Ponto final. O que lhes interessa, acima de tudo, é poder ter a Europa na mão e por ela andarem a seu belo prazer. Entrarem e saírem sem montanhas burocráticas de cada vez que aí querem dar um salto. E depois do visto o céu é o limite, tanto podem ir a Paris provar um copo de vinho e um croissant como comprar a loja de vinhos ou a Croissanteria. E por aí fora. Isso é lá com eles. Alguns nem acham piada a Lisboa. Cidade velha, antiga, sinuosa. Sem betão e aço em altura a mostrar desenvolvimento e maços de notas frescas nos bolsos. Nova Iorque, Hong Kong, Singapura, Tóquio, ruído, fumo e arranha céus, isso sim é cidade para novo rico chinês ver. Abreviando. Estamos habituados a produzir barato na China - mesmo nós, que pouco produzimos - mas aqui os salários e os direitos começam a crescer e vão surgindo nas grandes marcas os “Made in Bangladesh, Camboja, Vietname, Tailândia”, outras presas para melhor sugar. Há países que para aqui vieram em força e cujos seus salários mínimos já são mais baixos que os de cá. Há notícias frequentes de empresas que mudam de ares. Também nós já representámos esse agridoce papel, de nos mastigarem e deitarem forem, como dizia a música. Mas temos sempre memória turva para nos recordarmos de como éramos antes de entrarmos para as Europas. A muitos custa a engolir que o país do barato, da má qualidade e onde tudo se copia nos venha agora explorar e comprar aos bocados como se os indigentes de um terceiro mundo pertencessem fatalmente a uma casta de subalternidade de que não se poderão nunca libertar por mais que tentem e se transfigurem. Aquilo a que durante séculos se soía chamar “negócio da China”, com um acentuado traço pejorativo, são agora os negócios de Portugal – e de outros países que tais. São as actuais regras do jogo global, as regras de todos os jogos. Quem tem milhões toca guitarra, quem não tem procura ou estende a mão para os ter. Quer queiramos quer não, quer nos pareça menos bem ou menos mal. A caravana passa e nada há a fazer, afinal é assim que nos vamos arrumando, neoliberalmente. Talvez seja o pior dos males, excepto todos os outros, claro. Tal como dizia Churchill da democracia… Enfim, paciência. É a vida.

Manuel João Pires