DE REGRESSO À CLARIDADE

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1. Após algumas semanas nas profundezas bem perto do Hades, mercê de um acto cirúrgico fora do esperado, consegui voltar à claridade. Foi um refrigério, apesar de a convalescença ainda ser longa e neste momento me faltar a legitimação do equilíbrio de forma duradoura e sustentada. Exercício e fisioterapia por mais uns tempos. Voltar à claridade deu-me a exacta noção da nossa pequenez ante um simples dói-dói, parafraseando o desbocamento alar do deputado Amaral.
2. Falando em desbocamentos, fiquei aturdido em face da profusão de especialistas no domínio da protecção florestal, tantos outros no referente às causas da tragédia de Pedrógão e ainda no que tange às formas de poder ter sido evitada, sem colocar em dúvida as dúvidas suscitadas pelas contradições inseridas nos relatórios da burocracia especializada na linguagem de pau e no enterro da culpa que morre sempre solteira e virgem.
3. A par da tragédia, tal como aos antigos folhetins radiofónicos estilo TIDE da minha adolescência, um senhor funcionário antigo «papa» Pinto da Costa oferece aos fanáticos da bola ingredientes de mensagens onde o Benfica surge na pele do grande manipulador dos bastidores do universo do desporto-rei. Na sequência, os palradores televisivos animam horas e horas nas televisões para gáudio de uns e desespero de outros. Assim irá continuar enquanto não chega o campeonato e consequentes tribulações.
4. Os jornais dão conta de traições, raivosos ciúmes, além das inevitáveis proclamações de fé na vitória nas próximas eleições autárquicas, fazendo lembrar a rã a soprar para dentro na esperança de conseguir atingir o volume do boi, ora muitos dos candidatos não conseguem passar de girinos esganiçados a prometerem sol na eira e chuva nabal. O povo moita carrasco!
5. Eu não vi o amplexo entre Marcelo e Jorge Gomes no palco da desgraça, os homens também choram e muito, não lhes fica mal apesar da velha e abstrusa crença no ser sinal de fraqueza os homens chorarem. O escritor Sttau Monteiro escreveu um livro intitulado Um Homem não chora no qual exorciza o mito.
6. No vendaval dos prós e contras, acerca de quem tem culpas no cartório decorrentes dos negregados acontecimentos derivados dos malefícios do fogo não li, nem ouvi safanões à acção de Jorge Gomes o que muito me apraz, sem fanfarronadas, discreto, não corre para ficar em lugar saliente é merecedor de elogio. A sua Ministra de voz ciciada está tremida, no rescaldo veremos se não será imolada porque não se tem mostrado convincente na apresentação dos seus argumentos.
7. Este jornal reproduz declarações de João Gonçalves, ele manifesta incertezas sobre a adesão à Comissão Intermunicipal do Douro, a seu tempo nas colunas de o Nordeste lamentei a falta de coesão levando à desunião no Distrito fazendo prevalecer a ganância sobre a identidade e os liames da unidade, nunca é tarde para arrependimentos veja-se S. Pedro, só que agora a orelha não verte sangue ao menos o Santo cortou uma.
8. Passou mais uma festa em honra do chaveiro do céu na aldeia de Lagarelhos da qual é orago, revejo-o no andor sempre direito apesar dos tropeções dos mordomos sustentáculos do andor, barba cerrada canosa tal como a florescente cabeleira, nas mãos as chaves, o Santo proporcionava colorido dia de festa apimentada pela língua dos jogadores de paus e comparsas, apostavam-se litros de vinho, tentavam-se ajustes de contas lembrando jogatanas antigas. Tenho a obrigação de visitar o Santo de vez em quando, estou em clamorosa falta, espero repará-la na próxima ida á aldeia dos prodígios.
9. Atirado para a obscuridade durante tempo a não desejar a ninguém, no retorno à claridade levanto neste escrito casos e assuntos por demais conhecidos, foi uma forma de recuperar lembranças, de voltar à escrita e agradecer ao Teófilo Vaz os seus cuidados e o toque a rebate a dizer ter chegado a hora de recomeçar. Assim o faço para lá das cautelas e limites de quem a ainda faltam muitas sessões de adestramento dos músculos para estar em pleno. Ao Teófilo o meu obrigado

Armando Fernandes