Cronicando - No olvido

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Não raras vezes, quem escreve textos que se pretendem crónicas é apontado como alguém que pretende condicionar o pensamento dos outros, sem, contudo poder ser rotulado de opinion maker, porque hoje em dia tudo o que soe a anglicismo é considerado “chique a valer” e escrever crónicas não é “chique”. Para demonstrar que não alinho nessa tendência de influenciar pensamentos, têm os leitores a prova: o título. Caso opte por lê-lo na língua de Camões (No esquecimento), estamos ambos no mesmo contexto, se, por outro lado, é amante da língua de Cervantes (Não esqueço), não desvirtua de igual forma a intenção e continuaremos a entendermo-nos.
Corria o ano de dois mil e cinco, os destinos da nação eram assegurados pelo Partido Socialista que, em boa hora, entendeu ser necessário diversificar os percursos académicos do ensino secundário, dando resposta à vontade de muitos alunos das escolas públicas que não se reviam no modelo único de ensino. É certo que os ensaios efetuados com os cursos tecnológicos abriram a possibilidade de, num curto espaço de tempo, se adoptar um modelo pedagógico assente nos princípios da valorização do conhecimento do aluno como ponto de partida para outras aprendizagens. A apresentação do figurino beneficiou da dinâmica que a governação conseguiu imprimir com o reforço das equipas adstritas às extintas direções regionais de educação que, calcorreando o país faziam uma verdadeira apologia deste novo sistema, valorizando, sobretudo, o papel do professor e a relação de proximidade com o aluno. Parecia que o céu tinha descido à terra. Ainda hoje ressoam nos ouvidos de alguns aforismas como: “O diretor de curso é o rosto da turma”. O trabalho em rede surtia os seus efeitos, amparado pelos programas de valorização do potencial humano que, com financiamentos razoáveis, modernizaram as escolas e permitiam vivências que até então eram desconhecidas: feiras de emprego e educação, partilha de experiências, enfim… e mais que tudo isso, foi dada a oportunidade de criar projetos de vida válidos para jovens que não viam na escola o meio para alcançar os seus fins. Tal como no ensino regular, uns singraram outros não. Uma grande percentagem escolheu profissões liberais criando o seu próprio negócio ou sendo trabalhador por conta de outrem. Muitos ingressaram no ensino superior, alguns optaram pelas forças de segurança, encontramos outros em hospitais ou em caixas de supermercado, em comum: a dignidade de uma profissão e o profissionalismo que cada um coloca naquilo que faz.
Passaram dez anos e a governação está de novo sob a égide do Partido que escancarou as portas à novidade. Passada uma década, gente há que ganhou cabelos brancos a defender a causa dos Cursos Profissionais na escola pública. Centenas e talvez milhares por esse país sentiram o abandono a que este sistema foi votado sobretudo nos últimos anos; souberam resistir, disseram não à alternativa que eram os Cursos Vocacionais e permaneceram. Apesar dos cortes nos financiamentos mantiveram as equipas a funcionar, reduziram custos e ainda justificaram os gastos perante as auditorias que foram sendo enviadas sem se conhecer muito bem o seu fundamento.
São dez anos. E o que fez o Partido Socialista perante uma das suas bandeiras de… há dez anos? Simplesmente esqueceu… olvidou, não comemora nem permite assinalar. Quando tal acontece há apenas três ilações: ou se esqueceu, ou se envergonha do que criou ou passou a ser um partido de circunstância, do momento, que perdeu a sua memória recente. Poderá, efetivamente colocar no olvido, tudo o que outros agentes e líderes, também socialistas, fizeram há dez anos pela educação, seja considerado bom ou mau, mas nunca retirará aos professores, diretores de escola e alunos que foram pioneiros neste processo, o orgulho e a dignidade de quem desbravou caminhos e que, passado o deserto, esperava o oásis que afinal se vai transformando numa miragem.   
Há falta de melhor, que seja este texto a singela homenagem aos professores que foram capazes de ver mais além da ideologia e da circunstância e nunca se esqueceram de ser professores.

Por Raul Gomes