A criatividade não de vende nas farmácias nem nas joalharias, ela é fruto da imaginação e travejamentos de vária ordem escorados em esteios científicos, culturais, técnicos, estéticos e éticos, os de maior calado segundo a minha opinião.
No dia 11 deste cálido mês realizou-se em Santarém um colóquio debate dedicado à criatividade, cabendo a Telmo Faria, presidente da Câmara de Óbidos durante doze anos, agira a dirigir um hotel literário e outros projectos. Porque trabalho na área das indústrias da criatividade estando envolvido em dois projectos um deles de cariz mundial, outro no domínio das cidades criativas fui atentamente escutar o Criativo responsável por colocar Óbidos no mapa e ranking classificativo das localidades exemplo de criatividade.
Em 2000 a vila estava encerrada nas muralhas, viva a meia vida de tantas outras e o vetusto património suscitava ais, suspiros, fotografias aos poucos trota-turistas, contavam-se episódios da época de António Ferro, bebia-se ginjinha e ala que se faz tarde em direcção a Lisboa ou a Leiria.
Hoje da taxa negativa demográfica de 25% passou-se a positiva de 5,6%, no concelho vendem-se 3000 (trezentas mil) dormidas, há pleno emprego, as lojinhas e casas de vendas de surpresas depois das viagens existentes na pequena rua directa da entrada da muralha às portas do castelo, uns seiscentos metros se tanto, têm um volume de negócios na ordem dos 11 milhões de euros ano, a restauração nas redondezas está próspera, no centro histórico coexistem 11 livrarias, bares, e tutti-quanti de objectos artísticos.
A antiga fortaleza estoirou as aberturas dos telejornais no início do Festival do Chocolate, a partir daí a criatividade tem irrompidos dali originando mimetismos, invejas e estudos de vária ordem. O debate suscitou vivo interesse, das 21,30 à 1,15 da Manhã, todos quantos quiseram ouvir, certamente, aprenderam.
Sem a nostalgia da Odisseia, sem a melancolia dos poemas dos regressos, lembrei-me do Nordeste, de Bragança, da sua riquíssima história, da estridente geografia, das pasmadas declarações de agentes políticos agarrados ao vocábulo regionalização ao modo das lapas às rochas. O problema deles é aguentarem-se na vazão da maré. Os detentores de massa crítica a nível de outras instituições entrincheirados nos seus redutos apenas pensam na própria manutenção. Noutros lados a expectativa do futuro deixou de o ser.
Morreu ao grande criativo Leonard Cohen. O aedo cantor, o músico cujo derradeiro disco You WantIt Dorker fala de amores, do mau uso do tempo ou desperdício de algo, de envolvências capazes de nos obrigarem a rememorar não Proust, sim a alegria de plena ocupação dos dias, das noites até a aurora mostrar os dedos violáceos e róseos.
O Cohen recorda as raízes judaicas, em Portugal como no resto do Mundo vivem outros Cohen, este, o Leonardo, de voz cavernosa, canta Himei, Himei (em hebraico, aqui estou), morreu há dias, serenamente, aos 82 anos, ainda na estrada a entoar trovas por ele paridas dolorosamente.
O Cohen cedeu ao Leonardo, este deixou-se enrolar por uma contabilista a lembrar alguns financeiros, a conta do notável compositor sofreu um rombo de milhões de dólares obrigando-o a novas digressões quando devia estar a criar mais e mais poemas, mais e mais canções.
Possuo borsalinos do género dos usados por Cohen, o frio anunciou-se tenho-os colocado na cabeça, desta forma lembro-o na rua, ouço-o e leio-o, ele convida-me à reflexão, daí as sucessivas tentativas de entendimento das causas de o Nordeste não conseguir os êxitos de Óbidos. O êxtase de pensar hegeliano fica agreste ante a realidade. E Cohen lembra no disco da finitude aforismas bíblicos, muitos, a levarem-me até Florença, de Ficino, também de Savonarola.
Criatividade e Cohen
Armando Fernandes